sábado, setembro 17, 2005

Fascismo em Portugal?

Regressei momentos atrás do Parque Eduardo VII, em Lisboa, onde elementos do Partido Nacional Renovador (PNR) se preparavam para uma manifestação. Desta feita, para afirmarem-se contra a adopção de crianças por casais homosexuais e à mistura contra a pedofilia, como se os dois temas estivessem interligados. Mais significativo que o tema desta manifestação em particular, trata-se de mais uma manifestação com razoável atenção dos media de uma organização fascista. Dirigi-me ao local pois enoja-me que uma tal organização exista, revolta-me que não tenha sido ilegalizada, e indigana-me que o Governo Civil tenha mais uma vez permitido uma manifestação desta organização, que está em ascendente de protagonismo e ameaça tornar-se mainstream. Não é meu desejo dar-lhe mais atenção do que mereçem, mas temo que sem uma forte oposição este movimento consiga ir recrutando membros e alargando o seu círculo, à semelhança de movimentos e partidos análogos noutros países da Europa. Já não se trata de um movimentozeco que se reune para ouvir música num recanto escondido. Cada vez mais tentam marcar agenda política e mostram-se à luz do dia. Só nos últimos meses estiveram no Martim Moniz "contra a imigração", e na Baixa Lisboeta homenageando Rudolf Hess como um apóstolo da Paz, esse mesmo Nazi condenado a prisão pertétua pelo Tribunal de Nuremberga.
Quando cheguei ao local, estavam já cerca de 50-70 manifestantes. Após apenas 5 minutos no topo do Parque Eduardo VII, onde exibi um cartaz que citava o artigo 46 da Constituição Portuguesa ("Não serão consentidas (...) organizações racistas ou que perfilhem a ideologia racista") fui solocitado por agentes à paisana da PSP que me afastasse do local para a minha própria segurança. Acabei por abandonar o local, mas não sei expressar-lhes que a opção de por em perigo a minha segurança era minha e assumida, e da ironia de ser quem defende a constituição e a democracia que tem de abandonar o local. Na verdade, em conversa com os agentes, era evidente que eles partilhavam a minha opinião, mas que a sua principal preocupação ser velar pela minha segurança física. Explicitamente, reconheciam que os manifestantes alí presentes constituiam um risco a iniciarem actos de violência. O aparato policial que já às 14h45 se espalhava pelo Parque e Marquês de Pombal reflectia isso mesmo.
O erro é ter sido concedida autorização à manifestação, e desta organização não ser combatida por via legal. Como o artigo da CP citado claramente anuncia, esta organização é inconstitucional. Que não haja dúvidas. Não é um pacato partido nacionalista. Basta consulta a sua página da internet, estudar a sua história, ler e ouvir o que proclamam os seus militantes, para não haver duvidas que se trata de um partido racista, xenófobo e fascista. A nosso democracia não oferece liberdade de associação indescriminadamente. Impõe restrições, que reflectem a nossa história, e correctamente não esquece os 48 anos de fascismo a que os portugueses estiveram sujeitos. Ironicamente, ainda esta semana, os militares portugueses foram impedidos de se manifestarem. Os militares portgueses, que despoltaram a revolução que nos libertou do fascismo, não podem usufruir do direito de se manifestarem (apesar da CP declarar no Art 45 que "a todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação."), mas os que perfilham de fascismo fazem-no. Reconheço, com sentido democrático, o direito de cada um ter a sua opinião mas não reconheço, tal como a constituição não o reconheçe, o direito a estes fascistas de constituirem um partido e desse partido ser reconhecido e poder convocar, organizar, e realizar eventos de promoção das suas ideias. Não foi para isso que o povo português sofreu e lutou contra o fascismo.

Um comentário:

Aristarco disse...

Obrigada, André, por mais uma vez "dares o corpo ao manifesto", por uma causa que é de muitos. (Tem cuidado!) Este "post" fez-me pensar que em Portugal não há muita tradição de anti-manifestações. Será que, sem procurar o confronto, as pessoas não deviam mostrar mais a sua indignação perante organizações e demonstrações como esta?