domingo, dezembro 25, 2005

Greve de transportes em Nova Yorque

Na semana passada, o sindicato dos transportes públicos (TWU Local 100[1]) da região metropolitana de Nova Yorque (NY) fez greve, recusando aceitar o novo contracto proposto pela gestora dos transportes metropolitanos (MTA[2]). O TWU-100 representa 33 mil trabalhadores, muitos deles de etnia africana, latina e asiática, que asseguram o transporte por comboio, metro e autocarro a mais de 7 milhões de utentes diários, cerca de um quarto dos utentes de transportes públicos em todos os EUA (tal é a sua escassez noutros locais do país). O impacto da greve, antes das compras natalícias, sobre a economia da cidade foi estimado em centenas de milhões de dólares em comércio, impostos e turismo perdido.

É a primeira greve deste sector desde 1980. As greves de funcionários municipais foram proibidas em NY pela Lei Taylor em 1967, precisamente após uma greve dos transportes públicos, e impõe penas criminais (com possível imprisionamento) sobre os líderes sindicais e, por cada dia de greve, uma multa de um milhão de dólares ao sindicato e dois dias de salário a cada grevista. Ainda assim, a maioria ds trabalhadores abandonou o serviço na madrugada do dia 22 de Dezembro, e organizou-se em mais de meia centena de piquetes.

Esta nova contratação ocorre durante um já longo clima de hostilidade da MTA e profundo e justo resentimento dos trabalhadores pela forma como são tratados. Trabalhadores são despedidos ou dispensados por infracções às draconianas regras de trabalho. E só em 2004-5, a MTA iniciou mais de 15 mil processos disciplinares contra os seus trabalhadores.

O elemento central da disputa é a alteração do regime de pensões. Estas não provêm da segurança social, mas consistem em planos de pensões. Trabalhadores aceitam muitas vezes cortes ou deferimentos salariais quando as administrações alegam a insustentabilidade dos planos. Ora, a MTA teve este ano um superávit de mil milhões de dólares, mas apesar disso quis aproveitar a renegociação contratual para se desresponsabilizar de uma fatia maior da sua contribuição para o fundo de pensões, em particular insistindo num sistema de pensões misto, no qual a contribuição do trabalhador aumentaria de 2 para 6%, mas apenas para os novos trabalhadores.

O líder do TWU-100, Roger Toussaint, afirmou desde logo que a proposta seria inaceitável, que não iria sacrificar os futuros membros do sindicato. A medida só iria servir de incentivo à gradual substituição dos trabalhadores veternos e, mais grave, ameaçaria a unidade dos trabalhadores. “Existem coisas mais altas que a lei, uma delas é a justiça” afirmou Toussaint, acrescentando que a mesma Lei Taylor também proíbe que uma agência governamental imponha mudanças do regime de pensões num contracto sindical. Toussaint tem também consciência que este assalto ao sistema de pensões se enquadra numa vaga mais ampla, que inclui o sector privado (casos recentes da Delphi, General Motors e companhias aéreas que ameaçam declarar bancarrota se os trabalhadores não lhes permitirem renunciar as suas obrigações), mas também uma ofensiva às pensões dos funcionários municipais, incluindo polícias e bombeiros.

O Presidente da Câmara de NY, Michael Bloomberg, ameaçou com multas adicionais de 22 milhões diários ao sindicato e 25 mil dólares a cada grevista, e com a possibilidade de congelar as suas contas bancárias. Fez uso de linguagem ofensiva, chamando os grevistas de “criminosos” e “egoistas”. Os jornais expuseram títulos que chegaram ao ponto de pedir a prisão dos grevistas e sugerir “Atirem Roger do Comboio”. Apesar disto, uma maioria dos habitantes da cidade considera justas as exigências do sindicato, culpando a administração da MTA pela greve. O apoio à greve é ainda maior entre as minorias etnicas de NY.

Após 3 dias, os trabalhadores decidiram suspender a greve e recomeçaram as negociações, desta vez mediadas, entre o sindicato e a MTA. No momento da escrita deste artigo não eram ainda conhecidos os resultados das negociações. É provável que o sindicato venha também a disputar em tribunal o pagamento das multas exigidas a cada grevista.

Um contracto favorável ainda não está garantido. Mas esta luta já demonstrou que estes trabalhadores não estão dispostos a conceder sacrifícios e permitir pacificamente o processo de aumento da idade de reforma e redução dos salários, pensões e benefícios. Nova Jersey ameaça aumentar a idade de reforma dos funcionários públicos dos 55 para 60 anos. A California ameaçou reformar o plano de pensões. A postura corajosa e solidária dos trabalhadores em NY deu um sinal claro ao outros estados e municípios que ameçam trilhar o mesmo caminho, que não o farão sem enfrentar a resistência dos trabalhadores.



[1] Transit Worker Union

[2] Metropolitan Transit Authority

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Evo Morales - Novo Presidente da Bolívia


Evo Morales foi eleito o novo presidente da Bolívia, com cerca de 50% dos votos. Trata-se de mais uma grande vitória da esquerda progressista na América Latina. Eis o programa do Movimento ao Socialismo (MAS), a plataforma política que promoveu a sua candidatura:

1. Nacionalização dos hidrocarbonos – que todo o gás e todo o petróleo que saiam de nossos poços sejam propriedade nossa e não das transnacionais.
2. Assembléia Constituinte – para conduzir o país, com apoio de todos os setores sociais, à construção de uma nova pátria.
3.
Lei Andrés Ibáñez para as Autonomias – descentralização política e administrativa da República para que os povos indígenas, municípios e regiões tenham poder de decisão política e financeira.
4. Plano de desenvolvimento produtivo – anulação do Decreto Supremo 21060 por ser inconstitucional e revisão da Lei de Inversões.*
5.
Lei contra a corrupção e a impunidade – investigação de fortunas aplicável a presidentes, vice-presidentes, ministros e políticos que estiveram no governo nos últimos 20 anos.
6.
Lei de austeridade fiscal – eliminar os gastos excessivos nas instituições estatais, e a superremuneração de assessores das entidades públicas.
7.
Lei da terra produtiva – acabar com o latifúndio e a tendência de uso especulativo da terra.
8. Seguridade cidadã – uma política de seguridade preventiva, com base na inclusão social e investimentos públicos.
9.
Soberania social – criar um novo Sistema de Seguridade Social para dar cobertura de saúde em três níveis: medicina familiar, internação e especializações e hospitalar.
10.
Educação e cultura – anulação da Lei de Reforma Educativa, com garantia da educação gratuita em um sistema único nacional.

*
O decreto 21060 foi editado em agosto de 1985 e foi criado, em tese, para pôr fim à hiperinflação. Na prática, impunha uma série de medidas político-administrativas que tinham como objetivo criar um marco regulatório para a aplicação de medidas neoliberais, reduzindo a participação do Estado na economia e possibilitando a privatização, entre outras ações.

sábado, dezembro 17, 2005

Voto electrónico em Portugal?

Nas últimas eleições autarquicas fiz, pela primeira vez, parte de uma mesa de voto, enquanto escrutinador – a pessoa que confere se o nome da pessoa consta na lista de eleitores e anota que votou. Compareci no local de voto, uma escola primária na freguesia da Ameixoeira em Lisboa, prontamente às sete da manhã. Ainda antes de abrir a mesa, há bastante trabalho: afixar informação à porta da sala, selar as urnas, contar os boletins de voto, arrumar a sala, etc. Junto comigo na mesa de voto estava uma outra escrutinadora com alguma experiência em mesas de voto. Porém as restantes 3 pessoas nunca tinham participado, logo a secretária, vice-presidente e presidente. A Secretária, veio a comprovar-se mais tarde, tinha discalculia. A tanto a P como VP eram jovens responsáveis, que claramente haviam dedicado tempo à leitura atenta do manual de procedimento, mas cuja falta de experiência veio a pesar no momento de contagem de votos. A Vice-Presidente é militante partidária. Contudo, a Presidente estava a representar uma força partidária da qual não faz parte. Era, como alguns outros jovens na minha freguesia, um elemento recrutado para a ocasião por miliantes de outras freguesias usando para o efeito a recompensa do dinheiro que cada membro da mesa recebe. [Tenho que esclarecer que, como membro do PCP, o cheque que recebi foi endossado no próprio dia das eleições ao meu partido, como é habito entre seus militantes, e nem me recordo qual era a quantia.] Durante o dia tudo correu bem, mas o processo de contagem de votos, apesar da ajuda e experiência dos 3 delegados presentes, foi das mais demoradas no local de voto.

Durante uma das repetições da contagem do boletins, um dos elementos da mesa louvou a possibilidade de se passar a votar electrónicamente, como tal poderia facilitar enormemente o trabalho. Devo dizer que apesar de estar nessa altura há mais de 14 horas naquela tarefa, participava ainda com entusiasmo numa das tarefas ao serviço da democracia. Apesar disso, e ainda que empatizando com o desejo de encontrar uma forma de acelerar e facilitar o processo de contagem, argumentei contra o voto electrónico. Vejo esta forma de votação ainda com grande preocupação. Aceito-a sobre condições muito particulares, nunca dispensando a eventualidade de contagem física de boletins com votos marcados. E preocupa-me que pessoas buscando apenas a solução fácil venham a pressionar a adopção esta opção sem consideração dos perigos do voto electrónico.

Quais são estes perigos? Não farei aquí uma listagem exaustiva. Para tal sugiro que consultem a página BlackBox Voting. Mas basta pensar no nosso computador pessoa para reconhecermos alguns perigos: um crash do sistema liquidar os votos ou um corte de electricidade impossibilitar o voto. Estas são possibilidades talvez até menos grave, pois são imediatamente notadas. Mas e se houver um vírus mal intencionado ou um erro na programação que modifique a contagem? Isto é, mil eleitores votam no candidato A, mas na contagem sai 1100. Como saberiamos nós que tinha havido erro? Mesmo havendo impressão de um boletim em papel, este não comprova que tenha sido registado electrónicamente o voto. Permite sim que os boletins sejam depois contado, mas para que se faça depois uma recontagem terá de haver uma suspeita de irregularidade. E se a diferença entre votos reais, e votos anotados electrónicamente for de apenas um voto. Certamente naquela mesa de voto não haveria razão de suspeita. Porém, se este desvio sistemático for aplicado em todas as máquinas de votos usadas a nível nacional, tal poderá reflectir-se num erro que afecte o resultado das eleições. Estes não são apenas perigos hipotéticos. Os grupos que estão preocupados com esta questão e têm monitorizado a experiência de voto electrónico têm documentado exemplos de erros informáticos deste tipo. E mais grave, têm-se confrontado com sérias resistências por parte das companhias produtoras das máquinas de voto em tornar públicos o seu hardware e software, alegando a necessidade de proteger a sua tecnologia.

Em Portugal já tem havida algumas experiências piloto com o voto electrónico. A UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento IP – gere uma página dedicada ao assunto, que não refere nenhuma dos perigos ou motivos de preocupação, limitando-se a descrever os alegados casos de sucessos. Existem planos de avançar com o voto electrónico de forma generalizada em Portugal? Um documento produzido pela Unidade de Coordenadação do Plano Tecnologico, antes do PT ser lançado, menciona entre as propostas para reforma da Administração Pública, a medida “Democracia Electrónica”. Resume a medida da seguinte forma: “Estimular a participação democrática dos cidadãos através da utilização das TIC [Tecnologia de Informação e Comunicação] (difusão de informação, procura de informação e formação pelos cidadãos e “decision-making”. Implementação do sistema de votação presencial.” Devo dizer que este documento não é oficial, foi liberto ao Público. Os documentos oficiais do governo sobre o Plano Tecnologico não mencionam esta medida (ou pelo menos eu não encontro). Contudo a tendência parece clara.

Não estou a rejeitar liminarmente o voto electrónico. Tenho preocupações que não vejo abordadas ou consideradas. Se o processo for alerado sem que estas sejam abertamente discutidas, ponderadas e precavidas, então temo que se abram as portas a outras formas de fraude de mais difícil detecção.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Eleições na Venezuela

No fim de semana passado, decorreram eleições na Venezuela para a Assemblea Nacional. Cinco partidos da oposição ao Presidente Hugo Chávez boicotaram as eleições e retiraram-se da corrida, argumentando falta de confiança no processo eleitoral e na independência da autoridade eleitoral. O chefe da missão da União Europeia, Jose Albino Silva, afirmou que os observadores ficaram "surpresos" quando a oposição se retiro, já que a sua maior queixa havia sido resolvido, e não deram novas razões para a sua retira. Disse ainda que a missão havia concluido que os resultados e as máquinas de voto eram "claramente de confiança".

As taxas de abstenção foram, porém, bsatante altas (~75%). Os partidos da oposição argumentam que tal demonstra uma forte oposição ao Chávez. Mas este tipo de argumento é pura retórica. Eles não proporcionarm uma opção aos eleitores que quisessem expressar-se contra Chávez, e não podem legitimamente reclamar para sí o voto da 'maioria silenciosa'. A comunicação social mundial, e a Portuguesa também, fez da abstenção o mais importante resultado das eleições, assumindo o seu papel de apoiar a oposição a Chávez.

Contudo, a taxa de abstenção é um fenómeno complexo. Embora seja um indicator de descrédito no processo eleitoral, só dificilmente pode ser traduzido num único ponto de vista político.

Temos também que colocar este nível de abstenção na Venezuela em contexto, particularmente no que poderá significar sobre o apoio/oposição a Chávez.
  • Referedo de 15 Aug, 2004, taxa de abstenção ~30,08%
  • Eleições locais Dez/2000, taxa de abstenção ~77%
  • Eleições nesse mesmo ano, em Julho, para a Assemblea Nacional, Governadores e Presidência, taxa de abstenção ~44%.
  • Referendo de 16 Dez 1999, taxa de abstenção 55,6%
  • Eleições para Assemblea Constituinte, taxa de abstenção 53,8%
  • Referendo 25 de Abril 1998, taxa de abstenção 62%
  • Eleições Presidenciais 6/Dez 1998, taxa de abstenção 36,6%
  • Eleições locais 1995, taxa de abstenção ~54%
  • Eleições para a Presidência e Congresso 1993, taxa de abstenção ~39%
  • Eleições locais 1992, taxa de abstenção 50,7%

Podemos verificar claramente que as taxas de abstenção variam, mas tendem a ser altas. Foram mais baixas, porém, quando houveram eleições presidênciais, o que não é de estranhar, tratando-se de um regime presidencialista, onde o Presidente é o chefe do governo. Tal só vem reforçar a legitimidade do Chávez como presidente, facto muito vezes desvalorizado pela oposição e media. Ele foi eleito com 56,20% nas eleições de 1993 , e 59,75% nas de 2000 (vejam CNE data), uma maioria mais clara que, por exemplo, a de George W. Bush. E o referendo de 1999, sobre o programa político de Chávez, resultou numa grande vitória, com 87,75% de aprovação pela nova constituição. O referendo de 2004, sobre a continuação de Chávez na presidência, para o qual foram mobilizados enormíssimos recurosos pela oposição, resultaram numa derrota confortável da destituição (59% contra), com relativamente baixa abstenção (30%).

Há que reconheçer que a taxa de abstenção também afecta as democracias occidentais. Nas eleições para o Parlamento Europeu de 2004, a taxa média de abstenção na UE foi de 54.5%, e a taxa de participação chegou a níveis tão baixos como 16.96% (na Eslovaquía) ou 20.87% (na Polónia). Mas tal não é exclusivo dos membros mais recentes da UE. Em 1999, na GB apenas 24% dos eleitores votaram para o PE.

Assim, embora as altas taxas de abstenção sejam motivo de preocupação, são um motivo de preocupação para o regime democrático como um todo na Venezuela, não um sinal de crescente oposição a Chávez. São sinal de um problema mais geral, partilhado por muitas democracias, ligado ao sistema de votação em representantes. Não existe uma única solução ou causa, e só a dishonestidade pode à boca das urnas afirmar de outro modo.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

Junta Metropolitana de Lisboa

A presidência da Junta Metropolitana de Lisboa (JML), o órgão executivo da Grande Área Metropolitana de Lisboa (GAML), é tradicionalmente ocupada por um representante da força política com mais municípios nesta área. Após as recentes eleições autárquicas, essa força é a CDU, com oito concelhos.
A repartição dos 18 concelhos da GAML é a seguinte:

CDU (8) - Alcochete, Barreiro, Sesimbra, Almada, Moita, Palmela, Seixal e Setúbal
PS (5) - Amadora, Montijo, Vila Franca de Xira, Odivelas e Loures
PSD (4) - Lisboa, Sintra, Cascais e Mafra
Grupo de Cidadãos Eleitores "Isaltino, Oeiras Mais À Frente" (1) - Oeiras

No próximo dia 12 de Dezembro, serão as eleições, em cada
assembleia municipal, dos representantes para a Assembleia Metropolitana, existindo 5 listas:

CDU - Joaquim Judas (Assembleia Municipal do Seixal)
PS - João Serrano (Assembleia Municipal da Amadora)
PSD - Jorge Antas (Assembleia Municipal de Lisboa)
BE - João Bau (também da Assembleia Municipal de Lisboa)
GCE - Britaldo Rodrigues (Assembleia Municipal de Oeiras)

No dia 20, será a a eleição, entre os deputados metropolitanos, do presidente e vice-presidente da Assembleia Metropolitana e do futuro presidente e vice-presidente da Junta Metropolitana, a eleger entre os 18 presidentes das câmaras municipais.

Ao que parece, a tradição vai ser quebrada. Estão a reunir-se forças para que seja desta vez a capital, isto é Carmona Rodrigues, a liderar a JML. Tal só será possível com o acordo do PS. A ser verdade, o PS faria questão de pactuar com o PSD para afastar a CDU. Estamos longe do entendimento da Coligação por Lisboa.



sábado, dezembro 03, 2005

Sindicatos nos EUA II

A protecção dos direitos laborais nos EUA tem sofrido tamanha erosão que mais parecem os anos 20. A globalização e associadas deslocalizações, a substituição de empregos fabris com benefícios por emprego temporário no sector terciário, combinada com a crescente influência do poder económico no governo e sistema judicial tem sistematicamente destruido as protecções implementadas sob Rosevelt, durante a Grande Depressão.

Tome-se alguns recentes exemplos. O retalhista Wal-mart - a maior companhia mundial e maior empregador privado nos EUA, Canadá e México - ameça, intimida e despede trabalhadores pro-sindicais, monitoriza telefonemas e correio electrónico nas suas lojas, e quando uma loja no Canadá formou um sindicato, fechou a loja.

A General Motors (GM), o maior produtor mundial de automóveis, alegando dificuldades no mercado interno, anunciou que vai fechar um número de fábricas sedeadas nos EUA e eliminar trinta mil postos de trabalho. Mas esta crise não a impede de expandir na Índia, onde prevê um aumento de 30% de empregados. A Delphi, a maior produtora de partes automóveis e subsidiária da GM, alegando que o alto custo em salários dos seus trabalhadores é a causa da sua crise financeira, exigiu um corte salarial e de benefícios de 60%(!), proposta que tem sido comprensívelmente rejeitada pelos trabalhadores. A Delphi ameaça declarar bancarrota, pois sabe que historicamente os juízes têm favorecido as administrações e anulado contratos laborais.

A ameaça de bancarrota forçou o Sindicato de Siderúgicos da America (USWA)[1], após a crise de aço de 2002, a aceitar quebras salariais. O mesmo sucedeu na maioria das companhias aéreas, onde os sindicatos aceitaram cortes salariais que chegaram aos 50%. Mas estas crises financeiras aparentemente só atingem os trabalhadores. Os executivos da Delphi foram prometidos bonus e acções em excesso de $500 milhões se a companhia sair da “crise”, e está previsto que os altos executivos venham a receber um bonus no total de $21.5 milhões durante os primeiros seis meses de bancarrota. Uma coalição de sindicatos, explicando que seriam necessários 189 anos para um trabalhador ganhar com o novo salário o mesmo que o CEO da Delphi Steve Miller, ameaça com greve e convocou uma manifestação de trabalhadores para 10 de Dezembro.

Neste dia, o Dia International de Direitos Humanos, centenas de iniciativas de trabalhadores por todo o país vão lembrar que a Declaração Universal de Direitos Humanos consagra também o direito à sindicalização e ao contrato colectivo. Apenas 12.5% de trabalhadores no sector privado nos EUA estão sindicalizados, mas 59% afirmam que estariam num sindicato se podessem escolher livremente. No 10/Dez irão lutar pela aprovação de um projecto de lei[2] que lhes permitirá formar sindicato simplesmente recolhendo assinaturas. Neste momento, as administrações podem recusar-se a negociar com sindicatos que não sejam certificados pela Agência Nacional de Relações Laborais (NLRB)[3], uma entidade governamental liderada por nomeados presidenciais, e dominado actualmente pelos Repúblicanos. Estudos têm demonstrado que o processo regulado pela NLRB favorece sistematicamente a rejeição do sindicato[4]. Antes de mais obriga a um periodo de 60 dias até à eleição, durante o qual as empresas usam mundos e fundos para coagir os seus trabalhadores a votarem contra a sindicalização. Os trabalhadores são obrigados a participar em reuniões anti-sindicais e são ameaçados com o fecho da empresa caso se sindicalizem. Um quarto das empresas despede pelo menos um trabalhdor por actividade sindical durante a campanha. E enquanto sindicalistas de outras empresas não podem fazer campanha, nem no parque de estacionamento, três quartos dos empregadores contratam empresas especializadas em combater as campanhas de sindicalização. Estas empresas distribuem material anti-sindical, organizam reuniões individuais mandatórias de coação, e usam todos os truques legais para adiar o voto eleitoral. Mesmo quando o voto aprova o sindicato, a empresa pode gastar mais dois anos com apelos no tribunal até que finalmente é “obrigada” a negociar em boa fé. Mas apenas um terço das empresas concede contrato na primeira negociação. Trabalhadores em greve podem ser “permanentemente substituidos” por novos empregados, e greves de solidariedade são proibidas por lei. A aprovação da nova lei é urgente para facilitar a sindicalização, garantir mediação nas contratações e penalizar de forma expedita as violações dos direitos laborais. É um direito humano fundamental que está em causa.



[1] United Steelworkers of America

[2] Employee Free Choice Act

[3] National Labor Relations Board

[4] Vejam a Labor Research Association, http://www.laborresearch.org/