quinta-feira, março 23, 2006

Iraque: três anos de ocupação e resistência

Marcou-se no passado dia 20 de Março três anos sobre a invasão e ocupação do Iraque por parte dos EUA. Longe de ter “cumprida a missão”, como enunciado por Bush em Maio de 2003, os EUA está atolado num cenário de guerra que não logra controlar. O número de militares estado-unidenses mortos desde o início das hostilidades já ultrapassa dos 2300 e o número de feridos excede os 16 mil [1]. Os militares no terreno vivem em medo de serem vitimas dos ataques diários por parte da resistência Iraquiana. É por demais compreensível que as Forças Armadas dos EUA estejam com sérias dificuldades em recrutar jovens, mesmo economicamente desfavorecidos, para irem combater e arriscar a sua vida. Pelo quê? Pela garantia de “paz na região”, na qual a guerra no Iraque e a agressão Israelita contra o povo Palestino são os principais factores destabilzadores? Pela destruição das alegadas Armas de Destruição Massiva possuidas pelo regime de Saddam, das quais ainda não foram encontradas quaisquer provas, e quando é o próprio EUA a utilizar armas químicas, como o fósforo branco, e quantidades massivas de urânio enriquecido? Para defender uma democracia fantoche fabricada pela máquina de propaganda coorporativa?

Não pode haver uma verdadeira democracia enquanto permanecerem as tropas invasoras. Enquanto estas prendem, torturam e matam indiscriminadamente cidadãos Iraquianos. Enquanto um qualquer soldado Estado-unidense tem mais poder policial e judicial que membros das autoridades Iraquianas. Quando muitos dos cidadãos Iraquianos nem sabem onde são os locais de voto. E quando o país foi “balcanizado” por influência da própria ocupação, em regiões controladas por forças reacionárias Sunitas, Shiitas e Curdas. Para convencer o mundo que as eleições no Iraque foram livres, exagerou-se largamente a afluência às urnas. Mas há inúmeras indicações de fraude eleitoral em regiões controladas pelas milícias religiosas. Por outro lado, em regiões mais multi-etnicas, onde o controlo das urnas foi mais estrito, a afluência rondou os 18%.

Há que desmascarar que esta divisão baseada em traços étnico-religiosos tem vindo a ser incentivada desde o início pelos próprios EUA. É certo que existem regiões maioritariamente de um ou outro grupo, mas existe uma longa tradição de coexistência, na qual famílias têm membros Sunitas e Shiitas. Já durante a administração de Paul Bremer, o poder foi dividido em torno de linhas étnicas. Foi em grande medida Bremer que esboçou o primeiro governo provisório, também reforçando esta divisão. E este por sua vez marcou a estrutura da Constituição e do governo recentemente “eleito”. A dita “guerra civil” não é mais que uma luta pelo poder entre facções políticas de raíz religiosa presentes no governo e desde o início patrocínadas pelos EUA.

Há que não confundir esta guerra com a resistência popular do povo Iraquiano contra a ocupação e contra a entrega do poder aos fundamentalistas. O dirigente da resistência Iraquiana Jabbar al Kubaysi, durante a sua recente visita a Lisboa, falou numa cultura de resistência entre o povo Iraquiano. Esta tem vindo a alargar-se em número e a extender-se a todo o território, porque o povo do Iraque não tem outra saída senão resistir. A taxa de desemprego ronda os 70% e o tecido produtivo foi destruído ou levado à falência. Os únicas empregos disponíveis são vender informações às forças ocupantes – onde também funcionam as leis do mercado, de forma que o preço da informação tem vindo a descer, tal como a sua credibilidade -, entrar para as forças policiais das autoridades, ou para as mafias e milícias religiosas. A maioria do povo Iraquí tenta sobreviver, com menos de duas horas de electricidade por dia, com o sistema público de saúde e a rede alimentar desmantelados, sob o risco de ser preso arbitrariemente ou raptado pelas mafias, com medo diário de enviar as suas crianças para a escola, e com as forças ocupantes a sugarem os seus recursos naturais. As mulheres Iraquianas, que sob Saddam beneficiavam das protecções mais progressistas de todo o mundo Árabe, talvez até mais que em Portugal, sofrem de forma particularmente dura. É natural que se levante e tente por todos os meios à sua disposição combater a ocupação.

Consta que no gabinete do Secretário de Defesa Donald Rumseld, está emoldurada a seguinte frase: “Quando confrontado com um problema irresolúvel, alarga-se o problema”. O risco sério é que em vez de os EUA se retirarem do Iraque, como o exige o povo Iraquiano, venha ainda a envolver outros países da região, como a Síria e o Irão, na sua estratégia militar.


[1] http://icasualties.org/oif/

Artigo publicado no Jornal «A Voz do Operário»

Estado de guerra

Em Maio de 2003, Bush aterrava num caça no porta-aviões USS Abraham Lincoln, na costa da Califórnia, para anunciar com grande fanfarra e teatralidade que «a missão estava cumprida». Passados quase três anos, os EUA estão atolados num cenário que não logram compreender nem controlar. O dirigente da resistência iraquiana Jabbar al Kubaysi assegurou, durante a sua recente visita a Lisboa, que a ocupação será derrotada, pois os EUA enfrentam uma cultura de resistência em todo o território. Os custos da aventura acumulam-se, e Bush enfrenta uma crescente oposição doméstica à presença no Iraque e dificuldades em recrutar jovens para servirem numa guerra sem perspectiva de fim ou vitória. O número de militares dos EUA mortos no Iraque ultrapassa já os 2300 (1) e o número de feridos excede os 16 mil. Uma estimativa conservadora aponta para cerca de 35 mil o número de mortos civis Iraquianos, mas os verdadeiros custos são inestimáveis. Há quem, contabilizando a batalha de Falluja, aponte para mais de 250 mil mortos.

Longe de dar mostras de conter as suas operações ou retirar-se, como o exige o povo do Iraque, a maioria do povo do mundo e a razão, a administração Bush reforça as suas operações. A agência Knight Ridder noticiou recentemente que o número de raides aéreos dos EUA aumentou dramaticamente nos últimos 5 meses, como ilustrado pelo recente ataque massivo a Samarra. Até à data foram gastos quase 250 mil milhões de dólares nas operações militares no Iraque (2), muito além das mais ousadas estimativas iniciais, e o novo orçamento federal dos EUA compreende um aumento de 44% na despesa militar no Iraque e Afeganistão. O Gen. John Abizaid, que coordena as operações militares no Iraque, em declarações à Casa de Representantes, não pôde excluir a possibilidade dos EUA manterem uma presença militar permanente naquele país: «Trata-se no fundo de garantir a livre circulação de bens e recursos da qual depende a prosperidade da nossa nação e do mundo.»

Nem tão pouco se verifica o abandono da noção de «guerra preventiva». Na versão 2006 da Estratégia de Segurança Nacional (3), o relatório presidencial apresentado ao Congresso que esboça a sua visão estratégica, a administração Bush reafirma os ataques preventivos como legítimos e destaca o Irão como o país que constitui o «maior desafio» aos EUA. Além do alegado programa de desenvolvimento de armas nucleares, o EUA acusa o Irão (e a Síria) de «albergarem terroristas no seu território e patrocinarem actividades terrorista fora de fronteiras», e enuncia claramente que o objectivo dos EUA é alterar o regime iraniano.

Ameaça nuclear

Consta que no gabinete do secretário de Defesa Donald Rumseld está emoldurada a seguinte frase: «Quando confrontado com um problema irresolúvel, alarga-se o problema». Os paralelos entre as acusações ao regime de Saddam Hussein, que se vieram a provar falsas, e o crescendo de acusações ao regime iraniano devem inquietar o mundo. Os EUA não têm contingente para uma nova invasão, nem o farão certamente contra um país que não se encontra enfraquecido por anos de bloqueio. Mas existe a real possibilidade de ataques «cirúrgicos» que excederão a dimensão do ataque israelita a Osiraq em 1981. Mais preocupante, esses ataques podem vir a envolver armas nucleares.

Desde Junho de 2005 que os EUA e seu aliados militares na região – Israel e Turquia – estão em «estado de prontidão» para lançar ataques aéreos ao Irão. Alguns analistas sugerem que armas convencionais poderiam ser usadas inicialmente e que em caso de retaliação iraniana a contra-resposta poderia consistir no uso das chamadas armas nucleares tácticas (4). A nova doutrina nuclear dos EUA (5), enunciada em 2005, vai ainda mais além da Revisão de Postura Nuclear que em 2001 já havia contemplado o uso de armas nucleares de forma preventiva. Este novo documento admite «acções antecipatórias» usando armas nucleares contra «armas ou capacidades que existem ou venham a existir a curto prazo, mesmo que não exista um imediato cenário de guerra».

Contrariamente à escalada contra a guerra no Iraque, os EUA conta agora com o apoio do eixo Franco-Alemão, tanto no conceito de guerra preventiva como, mais escandalosamente, no uso de armas nucleares. O presidente francês, Jaques Chirac, intimou em Janeiro que as armas nucleares francesas deveriam ser usada em ataques concentrados contra países que estivessem a considerar o uso de armas de destruição massiva. Não estaria certamente a referir-se ao uso pelos EUA de fósforo branco e quantidades massivas de urânio enriquecido no Iraque.
___________
1) - icasualties.org/oif/
2) - nationalpriorities.org/index.php?option=com_wrapper&Itemid=182
3) - National Security Strategy; www.whitehouse.gov/nsc/nss/2006/
4) - ver por exemplo textos de Michel Chossudovsky em
www.globalresearch.ca
5) - ver Doutrina de Operações Nucleares Conjuntas;
www.globalsecurity.org/wmd/library/policy/dod/jp3_12fc2.pdf

sábado, março 11, 2006

Iraque: al Kubaysi, Pres. da Aliança Patriótica Iraquiana, em Lisboa

O Dr. Jabbar al Kubaysi, Presidente da Aliança Patriótica Iraquiana, visitou Lisboa a convite da Plataforma "Iraque 3 anos de ocupação, 3 anos de resistência", que engloba a CGTP-IN, Conselho Portugues para a Paz e Cooperação (CPPC), PCP, Bloco de Esquerda, Tribunal Mundial sobre o Iraque, e outras organizações.
O dr. Al Kubaishi foi libertado recentemente, depois de passar 15 meses preso pelas tropas dos EUA. Ele é o porta-voz oficial (desde 31 de Janeiro) de uma frente política unitária, constituida a 2 de Outubro de 2005, a Frente Nacional de Resistência e Libertação, que contem oficialmente várias organizações: a Aliança Patriótica Iraquiana; os Nasseristas (liderados por Dr. Omar Nadmi e Subhi Abdul Hamid); o Ajuntamento Democrático Iraquiano (Iraqi Independent Gathering), liderada pelo enginheiro Khaled al Maini); o Iraque Nossa Casa, de Abdel Latif al Mailmayah; o Comité Islâmico, dirigido pelo Dr. Harith al Aldari; o Comando Central (ICP, uma fracção do antigo Partido Comunista do Iraque, liderada por Ibrahim Allawi); e o Partido Árabe Socialista Ba'ath.

A nova frente está a preparar a sua delcaração programática, mas que incluirá os seguintes elementos:
1) O fim da ocupação e a libertação do Iraque, com a retirada completa das tropas estrangeiras
2) Qualquer autoridade Iraquiana montada pelos ocupantes é ilegitima, e será rejeitada e combatida
3) Colaboração com os ocupantes é proibida. Irão pedir aos polícias e outras pessoas ao serviço dos ocupantes que se demitam
4) Os agressores Anglo-Americanos devem pagar reparações
5) O objectivo da frente de resistência é constituir um governo democrático

alKubaysi traz duas mensagens importantes:
  • a resistência Iraquiana é neste momento uma cultura. Não se tratam simplesmente de alguns grupos, alguns ataques, mas de uma forma de estar, imposta pela ocupação, pela taxa de desemprego de cerca de 70%, onde as únicas saídas para os jovens é integrar as forças de segurança ou servir como informantes. O Iraque já não possui tecido produtivo: desde o início da ocupação 80,000 pequenas e médias empresas (5-20 empregados) fecharam, directamente destruídas ou levadas à falência. As fronteiras carecem de controlo alfandegário, alimentos e medicamentos fora do prazo de validade entram e são vendidos por preços baixos no mercado negro.
  • As forças ocupantes não podem ganhar. A resistência cresce. Em 2003 seriam algumas centenas, sobtretudo jovens. Agora são mais de 300 mil, por todo o território, todos Iraquianos, sem financiamento estrangeiro. E fazem uso da sua engenhosidade. AlKubaysi conta como no início da resistência usaram alguns dos seus recursos financeiros para comprar detonadores para os RPGs (Rocket Propelled Grenades), os tubos para lançamento de granadas, que custariam $500-700 no Norte de África e funcionavam a uma distância de 60m. Mas electricistas Iraquianos, membros da resistência, conseguiram desenhar e construir detonadores por $25 que funcionam a várias centenas de metros de distância.
No Norte do Iraque, a resistência ataca diariamente os oleoductos, e praticamente nenhum petróleo tem logrado sair desta região durante os 3 anos de ocupação. A situação no Sul é diferente - o deserto aberto oferece menos cobertura para ataques da resistência. Mas em resultado a exportação de petróleo é neste momento inferior à do periodo do Saddam sob o embargo.
Há que fazer um distinção clara entre a resistência popular Iraquiana às forças de ocupação, e os conflitos entre as milícias religiosas Sunni e Shia. Ambas estas milícias têm representantes no actual governo Iraquiano, e o conflito entre elas (a chamada guerra civil) é um combate por uma maior fatia de poder. Os EUA tem grande responsabilidade pela alimentação de conflitos étnicos e religiosos. Optou desde o início por criar um novo estado dividido segundo linhas étnicas e religiosas (veja-se o conselho governante, a Constituição, o actual governo), embora os Iraquianos na sua maioria não pensassem segundo esses termos: em muitas regiões do Iraque, famílias tinham membros Sunnis e Shias. Ao determinar que as linhas de poder se orientariam segundo essa forma, promoveu-se a ascenção das forças mais sectárias, que ao se encontrarem no poder não hesitaram em colocar as suas milícias no terreno, atacando civis da etnia oposta.
A legitimidade do actual governo é nula. Muito dos seus actuais membros, haviam sido nomeados por Paul Bremer para o governo provisório. Os mesmos apresentaram-se às eleições integrados em organizções com nomes diferentes, mas a linha de condução tendo como origem os EUA é fácil de traçar. E depois há que colocar seriamente em causa a democraticidade das chamadas eleições. Como podem estas ter sido livres se o país está ocupado. Se muitos dos cidadãos nem sabiam onde ficavam as urnas. Se não existe livre circulação, devido às forças militares ocupantes, à milícias e ao medo. A alta percentagem de participação propagandeada é uma mentira. Inúmeros relatos apontam para as urnas terem sido enchidas à última da hora por boletins de votos, tanto nas zonas controladas por Sunnis como por Shias. Uma estimativa mais aproximada da verdadeira participação pode ser obitida consultado os valores para alguns bairros multietnicos, onde vários grupos poderam fiscalizar-se uns aos outros. Numa zona de Bagdad com estas caracterísicas a participação foi de 18%.

segunda-feira, março 06, 2006

Bancos ladrões: comissão por uso de multibancos

A Caixa Geral de Depósitos informou os seus clientes mais modestos que para continuarem a "usufruir da isenção da comissão de despesas de manutenção" terão ter ter em cada trimestre um "saldo médio superior a €1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações financeiras" associadas à respectiva conta. Contudo, muitos destes clientes são forçados, pela Segurança Social, a ter conta na CGD para poderem aí receber o seu magro subsídio. É mais uma taxa, esa cobrada aos mais carenciados, que multiplicada pelos milhares de pensionistas resulta em mais um lucro chourudo.
As comissões bancárias subiram, entre 1986 e 2004, cerca de 46%, o equivalente a €200/ano para cada portugûes. Não hão-de os bancos estarem a enfardar. Em 2005, os quatros maiores bancos privados nacionais amealharam €1625 milhões em lucros, um aumento global de 37% em relação a 2004, quando os seus lucros já eram elefantinos.
No passado dia 23 de Fevereiro, durante uma conferência realizada em Lisboa sobre "O Futuro dos Sistemas de Pagamento da Europa", organizado pelo Instituto de Formação Bancária (IFB), os administradores do BES, Santander e CGD levantaram novamente a possibilidade de introduzir taxas de uso de multibanco, argumentando que «as operações devem ter o seu preço em função do que custam». Registe-se que esta ameaça já havia sido feita em 1994 e 2001, tendo sido na altura fortemente resistidas pelo movimento de defesa aos consumidores.
Como bem sublinhou o secretário-geral da Deco, Jorge Morgado, o sistema multibanco tem-se traduzido em grandes poupanças para os bancos: "Nos últimos anos, os bancos têm conseguido reestruturar-se e poupar muita mão-de-obra e dinheiro com o Multibanco, portanto não podem nesta altura vir falar dos custos do sistema". Alguns dos custos já são suportados pela taxa de utilização dos POS (equipamentos de Multibanco móveis), pagas por comerciantes (e a razão pela qual muitos estipulam vendas mínimas para pagamentos com cartão).
As caixas multibancos foram introduzidas
em Setembro de 1985, com a instalação de 12 terminais nas cidades de Lisboa e Porto. Na altura ainda estava a banca nacionalizada, e portanto partiu de uma iniciativa concertada do sector, não de iniciativas particulares de cada instituição. Podendo assim dar acesso a todos os consumidores com conta bancária, o sistema teve rápida aceitação, o seu uso alastrou-se, sendo apontado como exemplar no estrangeiro.
O hábitos de consumo e uso de dinheiro dos portugueses modificaram-se com o uso deste sistema. Neste momento existem
10.723 caixas Multibanco (ATM), a maioria das lojas possuem Terminais de Pagamento Automático (TPAs são 147.123), e há mais cartões (de crédito e débito) a circular que portugueses.

A títlulo de ilustração, desde o início de Dezembro de 2005 até o dia de Natal,
levantou-se nas caixas multibanco mais de €1,7 mil milhões de euros, devendo acrescentar-se a este número cerca as compras pagas directamente com cartão. Assim, neste parte do mês foram efectuadas compras com Multibanco na ordem dos €3,7 mil milhões. (Números da SIBS: Sociedade Interbancária de Serviços .)

Na quinta-feira, 3 de Março, deu entrada na Assembleia da República a proposta de lei 216/X/1 do Grupo Parlamentar do PCP: Proíbe a aplicação de taxas, comissões, custos, encargos ou despesas às operações de multibanco através de cartões de débito. Perante o que considera ser uma ofensiva do sector bancário contra os interesses do consumidores, o deputado do PCP Honório Novo afirmou
«Tentar criar uma taxa para a utilização do multibanco é no mínimo alguma desfaçatez e descaramento do sector bancário. Face a este cenário e para cortar qualquer tentativa, tomámos imediatamente uma iniciativa legislativa que se traduz na proibição da criação de qualquer taxa, dando corpo à defesa dos direitos dos portugueses». O deputado comunista realçou ainda a anuidade que todos os portadores de cartão multibanco já pagam pelos vários serviços.

Por fim, um conjunto de blogs (ver por exemplo ogrunho) lançou uma petição online contra a inicitiva de introduzir "comissões" sobre cada levantamento realizado no Multibanco . Note-se que a intenção dos bancos é de introduzir comissões sobre quaisquer actividades nas caixas multibanco, não apenas levatamentos. Só em 2005, foram efectuadas mais de 200 milhões de consultas de extracto ou movimentos de conta, e mais de cem milhões de pagamentos de serviços.

E a título de interesse, repito aquí palavras do Presidente Jorge Sampaio, numa Conferência sobre "Sistemas de Pagamentos", promobida pela SIBS, em Novembro de 2004:
A introdução do "dinheiro de plástico" constitui uma revolução de hábitos, mentalidades e formas de relacionamento, à escala global, de cuja importância nem sempre temos a devida medida, de tal modo nos habituámos a conviver com ele e a beneficiar da sua existência. Mas a emergência do "Multibanco" - permitam-me a simplificação - é seguramente o aspecto mais notável dessa revolução em Portugal.

Deixando de lado os enormes progressos e benefícios que o sistema de pagamentos integrado, as transacções e as compensações electrónicas trouxeram ao sistema bancário, queria apenas evidenciar o aspecto mais visível e de vantagem partilhada que o "Multibanco" trouxe às relações dos bancos com os cidadãos, num jogo de soma largamente positiva, e que, em outros países, só mais tarde se verificou. Talvez nem todos saibam que, quando por cá um único cartão podia ser usado em qualquer terminal do Multibanco, em países como os EUA cada cartão só podia ser utilizado nas máquinas do banco emissor! Tecnologias de informação e dia-a-dia dos cidadãos deram aqui as mãos como talvez em nenhum outro caso, familiarizando praticamente todos os portugueses com a interface homem-máquina.

Com efeito, os bancos ganharam em eficiência e reduziram custos - desde logo com a diminuição dos recursos humanos necessários à concretização das operações bancárias mais ou menos tradicionais, sobretudo os levantamentos de numerário. Mas esta redução de custos (ou racionalização, como alguns hoje diriam…) não foi feita à custa dos clientes/cidadãos, antes lhes trouxe enormes vantagens em comodidade e rapidez, traduzindo-se em benefícios que, independentemente dos métodos usados para os tentar quantificar, são enormes. A percepção desta vantagem recíproca e a gratuitidade aparente do sistema para o cidadão utilizador constituíram, aliás, as duas faces do sucesso enorme que foi obtido.

Os outros passos decisivos na evolução do sistema foram os da progressiva generalização dos terminais em pontos de venda, criando o hábito do uso do cartão de débito, e o do alargamento a uma série de pagamentos de serviços, possibilitando outras histórias de sucesso da inovação em Portugal - como a Via Verde. Em todos estes casos, juntaram-se aos beneficiários iniciais (bancos e cidadãos) os comerciantes e prestadores de serviços, que decerto viram enormemente aumentados o número, celeridade e segurança das transacções.

quinta-feira, março 02, 2006

Tortura made in USA

Dois livros recentes, saídos nos EUA, põem a nu dois aspectos tenebrosos do imperialismo estado-unidense. Uma Questão de Tortura (1), de Alfred McCoy, conta a história do uso de tortura pelos serviços secretos e militares dos EUA, e como esta se fundamenta em pesquisa científica especificamente concebida para atingir a mente humana.

Entre 1950 e 1962, a CIA gastou mais de mil milhões de dólares com vista a descodificar a consciência humana, para fins de persuasão de massas e uso de coerção em interrogatórios individuais. Usaram todo o tipo de métodos: electrochoques e drogas como LSD e pentatol de sódio (poção da verdade) e outras drogas. Os resultados significativos, porém, provieram dos estudos encomendados às grandes universidades de Harvard, Princeton, Yale e McGill.
Este programa de investigação culminou no uso combinado de privação sensorial (como a cobertura da cabeça) e de colocar o sujeito em posições em que inflige dor sobre si próprio, tal como a tortura do sono (2). Estas técnicas de tortura da CIA foram codificadas em 1963 no Manual de Contra-Inteligência KUBARK (3), mas recentemente expandida pelo Gen. Geoffrey Miller enquanto chefe da prisão de Guantanamo em 2002, com duas técnicas adicionais: ataques sobre a sensibilidade cultural, incluindo sensibilidade religiosa - ataques ao Corão - e de identificação sexual e género; e identificação de fobias individuais. Para este último efeito, criaram-se equipas «Biscuit»(4), equipas compostas por psicólogos militares que participam durante os interrogatórios e identificam os pontos psicológicos de maior fraqueza, específicas de cada interrogado. Em Agosto de 2003, o General Miller foi transferido para Abu Ghraib com o fim de aí instituir as técnicas de tortura.
Esta estratégia de tortura faz uso sobretudo do dano psicológico. Os EUA, embora tenham ratificado a Convenção Anti-Tortura das Nações Unidas, fizeram-no no Congresso excluindo referências à tortura psicológica. Isto embora seja reconhecido que esta forma de tortura deixa cicatrizes mais profundas e duradoura que a tortura física. O próprio Senador John McCain, prisioneiro de guerra durante a Guerra no Vietname, reconhece que preferiria ser espancado que sujeito a tortura psicológica. Mas a recente iniciativa legislativa (5), promovida por McCain no rescaldo do escândalo em Abu Ghraib, foi limada por múltiplas emendas. E até agora apenas militares de baixa patente foram penalizados. A responsabilidade das mais altas instâncias militares e da CIA ainda não foram reconhecidas.

Confissões

O segundo livro, Confissões de um Sicário Económico(6), de John Perkins, desvenda facetas de guerra económica exercida por detrás da cortina. A Agência de Segurança National (NSA(7)) treina agentes e infiltra-os em corporações privadas, de forma que as suas actividades não podem ser conectadas directamente com o governo dos EUA. Este foi o percurso de Perkins: recrutado pela NSA quando se licenciou em 1968 e depois colocado como economista da Chas. T. Main. Como outros sicários económicos, o seu trabalho consistia em providenciar favores, empréstimos de milhares de milhões de dólares a países menos desenvolvidos, sob a condição destes países contratarem firmas estado-unidenses, por exemplo para a construção de infra-estruturas. Assim o dinheiro emprestado nunca sai dos EUA, saí dos cofres do Banco Mundial para as contas da Becthel, Halliburton ou General Motors. Mas claro que o país terá que pagar os juros sobre estes empréstimos, com custo para os serviços sociais da sua população, e fica sujeito a chantagem económica.

Perkins explica também como os sicários económicos oferecem uma escolha a líderes recentemente eleitos: «Temos várias centenas de milhões de dólares neste bolso, se agir como queremos. Se achar que não quer, neste outro bolso, tenho uma pistola com um bala com o seu nome». Há inúmeros exemplos do suborno a funcionar, como o abandono das promessas eleitorais por Lucio Gutiérrez do Equador. A ameaça não pode ser tomada de ânimo leve. Basta recordar o que aconteceu com Jaime Roldos no Equador e Omar Torrijos no Panamá. Ambos morreram em acidentes de avião em 1981, havendo provas abundantes apontando para explosivos nos dois aviões. Perkins garante que o mesmo foi tentado contra Chávez na Venezuela, e que Evo Morales já foi visitado com o mesmo propósito. Muitas das forças de segurança na América Latina foram formadas pelos EUA, na Escola das Américas(8) e são fáceis de penetrar. Mas por vezes os chacais não logram penetrar e atingir o alvo, como sucedeu com Noriega ou Saddam Hussein. Nesse caso, avançam as tropas.
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(1) A Question of Torture: CIA Interrogation, from the Cold War to the War on Terror. Metropolitan Books, 2006
(2) Esta é a base da famosa tortura do sono infligida pela PIDE/DGS. Leia-se por exemplo os sintomas descritos por António Gervásio em resultado dos 18 dias de tortura do sono. Um excerto da sua intervenção no tribunal plenário criminal da Boa Hora, em 1972, está publicado em A Defesa Acusa, edições Avante!.
(3) tp://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB122/
(4) Behavioral Science Consultation Teams
(5) O Acto de Tratamento de Detidos.
(6) Confessions of an Economic Hit Man. Plume, 2005
(7) National Security Agency
(8) http://www.soaw.org/

quarta-feira, março 01, 2006

Tropas dos EUA no Iraque

A Zogby International em colaboração com o Le Moyne College’s Center for Peace and Global Studies lançou o primeiro inquérito a soldados em cenário de guerra na história dos EUA. Os resultados são notáveis:

Presença do Iraque
  • 72% das tropas dos EUA no Iraque opinam que os EUA deveria sair do pais no próximo ano (21% que deveria sair daquí a 1-12 meses; 22% que devia sair nos próximos 6 meses; e 29% pensa que os EUA deveriam retirar-se já). 23% acha que deveriam fica "enquanto forem necessários".
  • Estas percentagens variam segundo os ramos. Assim, 89% dos reservas e 82% da Guarda Nacional acham que os EUA deveriam sair este ano. Entre as tropas do ramo mais ríjo e patriótico (Semper fei), os Marine, 58% partilham essa mesma opinião.
  • 42% acham que a missão dos EUA no Iraque é pouco clara
  • Mas 53% acham que o número de tropas e missões de bombardeamento para controlar a resistência devia ser dobrado.
  • 37% acham que os estado-unidenses civis que se opõem à guerra são anti-patrióticos
Motivos da guerra
  • Quase 90% pensa que a guerra foi em relatiação pelo papel de Saddam Hussein nos ataques do Onze de Setembro, embora 77% admita que foi sobretudo para "impedir Saddam de albergar forças da al-Qaeda". [Claro que nem uma nem outras das opiniões reflecte a evidente falta de relacionamento, e até hostilidade, que existia entre o secular Saddam e a fundamentalista al-Qaeda.]
  • 93% sabe claramente que as armas de destruição massiva não foram o motivo para estar no Iraque. Apenas pequenas percentatens vêem a missão como garantir o abastecimento de petróleo (11%) ou a presença dos EUA no médio oriente (6%).
Resistência Iraquí
  • A maioria não culpa os cidadãos Iraquís pelos ataques de insurreição, e pensa que os resistentes são sobretudo Iraquís
  • A maioria opõe-se ao uso de força durante a interrogação de prisioneiros.
Condições no Iraque
  • 75% das tropas já cumpriu múltiplas excursões militares (military tours); 29% é já a terceira vez (ou mais) que está no Iraque.
  • A maioria está satisfeitacom as condições providênciadas por Washington, mas 30% ahca que o Departamento de Defense não tem fornecido protecção para as tropas (como munições e blindagem pessoal e para os veívulos)
  • 35% acha que a infraestrutura civil básica no Iraque, incluindo estradas, electricidade, água, saúde, não tem melhorado no último ano.