sexta-feira, setembro 08, 2006

Porquê FARC

Para um movimento armado de libertação nacional abandonar a via das armas e enveredar apenas pela via eleitoral precisa de confiar no funcionamento justo e equitativo do sistema democrático. Mesmo aceitando os intrínsecos limites de eleições em sistemas burgueses, supõe-se pelo menos que os membros do braço partidário de tal movimento possam exercer as suas actividades sem temerem pela vida. Que concluir sobre a viabilidade de via eleitoral se um movimento armado opta pela via eleitoral, integrando-se numa coligação e vê centenas dos seus dirigentes assassinados pelo o exército nacional e forças paramilitares apoiadas pelo governo? Esse foi o destino da Unión Patriótica na Colômbia no final dos anos 80.

Depois da amnistia de 1982, celebrada sob a presidência de Belisário Betancur, e do cessar-fogo de 1982, as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia (FARC) e outras forças de esquerda Colombiana, como o Partido Comunista Colombiano (PCC), formaram a Unión Patriótica. Paralelamente, as FARC realizaram em 1982 a 7ª Conferência Guerrilheira, na foi aceite a proposta de Jacobo Arenas pela qual se implementaria uma "combinação de todas as formas de luta", militar e política. A guerrilha iria transformar-se num Ejército del Pueblo (passou então a existir a designação FARC-EP). A FARC não foi suficientemente ingénua para desmobilizar a suas forças nem renunciar a luta armada, mas respeitou o cessar-fogo.

Em 1986, a UP é reconhecida e Jaime Pardo Leal é o seu candidato presidencial. Recebeu um modesto 1.4% dos votos e a eleição de alguns representantes no Congresso e município. Tratou-se porém de um resultado sem precedentes para terceiro partido na história eleitoral Colombiana.

Em 1987, Pardo Leal foi assassinado por um rapaz de 14 anos, mais tarde também assassinado. Segundo o PCC, o assassinato foi arquitectado por um traficante de droga, José Gonzalo Rodríguez Gacha, com apoio do exército. Em 1988, a UP anunciava que mais de 500 dos seus membros haviam sido assassinados. Nas eleições desse ano, mais de cem candidatos locais da UP foram atacados, no que foi descrito pela Amnistia Internacional como uma "política deliberada de assassinato político" da UP. Em 2004, a Comissão de Direitos Humanos Inter-Americana estimou que cerca de 1163 membros da UP haviam sido assassinados, 38% por grupos paramilitares.

Uma outra guerrilla, o Movimiento 19 de Abril" ou M-19, de cariz mais urbano mas segunda atrás das FARC em contingente, responsável por vários assaltos de elevado perfil, incluindo a tomada da embaixada dominicana e o roubo da espada de Bolívar, renunciou a luta armada durante o cessar-fogo de 1986, e formou a Alianza Democrática M-19 (AD/M-19). Em 1990, uma das suas figuras mais proeminentes e candidato presidencial, Carlos Pizarro Leongómez, foi assassinado durante um vôo aéreo. A AD/M-19 logrou algumas vitórias eleitorais desde então, mas perdeu força.

Cabe também recuar um pouco mais na história e recordar as origens das FARC. Após o assassinato de candidato liberal Jorge Eliécer Gaitán em 1948, teve lugar um motim em Bogotá (o Bogotazo) e iniciou-se um periodo de enorme conflito entre os dois principais partidos, o Partido Conservador e o Partido Liberal. Na década que se seguiu 200-300 mil pessoas foram mortas, um periodo referido como "La Violencia". O PC e PL eventualmente chegaram a um acordo bilateral de partilha de poder e alternância presidência, uma aliança que lhes permitia resistir à possibilidade de uma saída revolucionária para o país. Neste period, grupos armados, formados por Liberais e Comunistas, haviam estabelecido zonas de auto-governação em alguns enclaves, um dos quais veio a ser conhecido como a República de Marquetalia, zonas de protecção contra "La violência", mas onde também se desenvolveu reforma agrária e outras políticas socialistas inspiradas na Comuna de Paris. Em 1964, o governo lançou uma ofensiva militar (incluindo armas bacteriológicas) contra esta região autónoma, com o apoio do Plano LASO (Latin American Security Operation), uma iniciativa dos EUA contra movimentos revolucionários. As guerrilhas dispersaram para outros enclaves vizinhos e reorganizaram-se em 1964 no Bloque Sur, que veio em 1966 a transformar-se nas FARC.

Este historial illustra a enorme violência na vida política Colombiana, sobretudo virada para quem tenta propor uma alternativa ao "bloco central". Caberia ainda referir as centenas de delegados sindicais mortos e os milhares de activistas intimidados, nos últimos quinze anos, tentando organizar trabalhadores nas fábricas das multinacionais e outras empresas. Perante tal panorama, temos de ter a humildade de não julgar movimentos como as FARC segundo os mesmos parâmetros usados para democracias europeias. Num tal contexto político, manter uma frente armada não é apenas uma forma de luta, é uma forma de sobrevivência.

É concebível que se queira discutir algumas das tácticas usadas pelas FARC, alguns assaltos, sequestros, o seu envolvimento na produção de cocaína. Podemos questionar se presentemente os novos recrutas são movidos mais por razões económicas que por razões ideológicas. Mas não podemos cair na hipocrisia de apelar de 'terrorista' uma organização que leva mais de 40 anos lutando com "todas as formas de luta" por uma Colômbia sem exploração capitalista, contra o imperialismo. E muito menos questionar a legitimidade da presença da revista Resistência e do PCC e material das FARC na Festa do Avante!

Nas palavras de um jóven guerilheiro (Frank):

Y como te decía, llega un momento en el que el nivel de represión es tan alto que tú tienes que tomar una opción, u optas por el destierro -que para mi caso personal considero que no es una opción, ni para ningún revolucionario o una persona que esté pensando en la perspectiva de un cambio real- o ingresas a la guerrilla, que es la posibilidad de seguir en las tareas políticas, en las tareas organizativas, en el trabajo revolucionario: es la posibilidad real de defender tu vida. También te preguntas si otros están luchando por ti, tú porque no eres capaz de hacerlo, yo creo que eso es lo que encierra en esencia la lucha guerrillera, es un altruismo, es el sacrificio por una mejor sociedad por un nuevo tipo de relaciones sociales.
Esto es clave porque me refuerza la convicción de que en este momento la guerra revolucionaria, la guerra de todo el pueblo es la mejor opción para conseguir ese objetivo político que es la toma del poder para el pueblo colombiano, en esencia yo te podría decir que eso es lo que más anima a uno a la vinculación directa como combatiente, como guerrillero, convencido plenamente de que las causas que motivan esta lucha están mas vigentes, pero también convencido, con convicción insoslayable, de que hay una posibilidad real de la victoria del pueblo colombiano y que necesita este ejército revolucionario.


3 comentários:

MR disse...

Ok, isto é um post que os outros ignoraram, pois este não é contra as FARC... vou pô-lo ano abruzolhos.blogspot.com, na frente unida contra os blogs fascistas e seus donos que foram beber copos à Festa do Avante e trouxeram um «facto» delicioso para os media que adoram o PCP.

abraço

tms disse...

Bom texto André. Já o linkei no meu blog.
Abraços

José Manuel disse...

Eu também. Parabéns