quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Independência do Kosovo

Vai crescendo a lista de países que já reconheceram a declaração unilateral de independência do Kosovo: EUA, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Itália, e ... a Madeira. Pois, a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou na 3a «um voto de congratulação da autoria do PSD/M pela independência do Kosovo, que contou com o voto favorável do Bloco de Esquerda e abstenção dos restantes partidos da oposição.» (ver)

O deputado do PSD/M, Coito Pita do invocou o Art. 7o da Constituição da República Portuguesa:
Art7º, 3. Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.
Descreveu o Kosovo como "uma situação colonial, na qual as Nações Unidas haviam decidido anteriormente, formas de acompanhamento". A resolução 1244 do Conselho de Segurança das NU colocou, em 1999, o Kosovo sob a autoridade da UNMIK (United Nations Interim Administration Mission in Kosovo), atribuindo a função de segurança à NATO (KFOR), mas essa mesmo resolução reafirmou a soberania da Sérvia sobre a região. A declaração unilateral do Kosovo surge, portanto, à revelia das NU e contra a Acta Final de Helsínquia de 1975 (ou Acta final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa) que reconhece a integridade territorial e soberania dos estados.

Coito Pita [este nome não dá para acreditar!] deveria ter citado outro ponto do mesmo artigo da CRP:
Art7º, 1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Não existe um povo ou nação Kosovar. A região é ocupada por múltiplas etnias, embora com uma maioria albanesa. Pertenceu a vários impérios durante a história (Bizantino, Búlgaro, Otomano), com fronteiras flutuantes ou inexistentes. Foi reconhecida como região autónoma da Sérvia, no seio da Federação Jugoslava. Para um relato objectivo da história da Jugoslávia e sua subsequente fragmentação, por obra da Alemanha e EUA em concílio com forças de extrema-direita locais, e o tratamento enviesado do processo na comunicação ocidental, sugiro a leitura de «Cruzada de Cegos: Jugoslávia, a primeira guerra da globalização», de Diana Johnstone (ed. Caminho)

O uso do termo «colonialismo» é portanto inapropriado. Não há semelhança, por exemplo, com domínio indonésio de Timor Leste, uma região ocupada por um povo, com língua, religião e tradição distintas das vizinhas (em parte devido à ocupação colonial por Portugal). Recorde-se que neste caso a independência foi reconhecida pelas Nações Unidas. Tão pouco há semelhança com o Saara Ocidental, ex-colónia de Espanha, cuja independência é negada pelo Marrocos.

Qual a razão da declaração unilateral? O Conselho Português para a Paz e Cooperação regista no seu comunicado:
A «declaração unilateral de independência» da província Sérvia do Kosovo, ensaiada no dia 17 de Fevereiro, vem confirmar o verdadeiro objectivo da criminosa guerra contra a Jugoslávia de 1999 – amputar um Estado soberano de uma parte histórica do seu território e estacionar aí uma força militar permanente, alargando a presença da NATO na Europa.
O CPPC considera assim que não restam dúvidas quanto ao facto de esta «declaração de independência» do Kosovo ter sido promovida pelos Estados Unidos da América, União Europeia e NATO, como parte da sua estratégia para, continuando o processo de desmembramento da antiga Jugoslávia e apoiados nos criminosos de guerra do UÇK agora convertidos em prestimosos “democratas”, manterem esta importante região sobre seu protectorado.
O CPPC alerta para as imprevisíveis consequências que esta atitude encerra para os povos e países de toda esta região, aumentando o risco de se desencadear na região uma nova vaga de conflitos, guerras e intervenções internacionais.
O paradoxal é que com um processo iniciado à margem do direito internacional, cooptado com os EUA e UE, o Kosovo não irá ganhar soberania. Ficará sobre gestão de um alto-representante, uma espécie de vice-rei colonial, que ditará a política externa e interna, a política fiscal, a partir de directrizes de Washington e Bruxelas.

2 comentários:

Nuno Góis disse...

É exactamente isto. Uma catrefada de paísinhos que seguem toda e qualquer política norte americana enquanto estes se passeiam pelo mundo conquistando-o palmo a palmo.
Agora têm um novo espaço na Europa para estacionar as suas tropas.
Enquanto o Sahara ocidental continua na mesma tal como o Curdistão... E esperem mais um pouco, pois a ETA vai ganhar força, bem como todas as regiões (e são muitas, olhemos para Espanha) que têm muito mais fortes motivos para a indepêndencia que o Kosovo tinha...

Fernando Samuel disse...

Excelente post: clarificador e certeiro.
Abraço.