sexta-feira, março 28, 2008

A auto-determinação, Lenine e o Tibete

Rui Faustino, num comentário ao meu post escreveu:
A questão central é: Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Havendo uma minoria nacional dentro dum Estado - seja o Estado britânico, espanhol ou chinês -, essa minoria tem o direito à autodeterminação. E repara que essa nem sequer é uma "originalidade": sempre foi a política de Lenine.
Em Sobre o Direito das Nações à Autodeterminação (de 1914) Lenine não apresentou qualquer carta branca sobre reivindicações de auto-determinação. Como marxista, apelou à «colocação dentro de um quadro histórico determinado» e à consideração das forças sociais em questão. Distingue, por exemplo, entre as correntes nacionalistas no período histórico de transição do feudalismo para o capitalismo e constituição de estados democrático-burgueses, durante o qual o nacionalismo adquiriu a forma de movimentos de massas, de união entre a burguesia, o campesinato e o proletariado; e correntes nacionalistas «em Estados capitalistas plenamente formados, com um regime constitucional há muito estabelecido, com um antagonismo fortemente desenvolvido entre o proletariado e a burguesia».

Lenine entende a formação de estados nacionais como a forma das burguesias nacionais conquistarem o mercado interno de uma região, para o qual é indispensável a coesão estatal dos territórios com uma população da mesma língua.
«A formação de Estados nacionais, que são os que melhor satisfazem estas exigências do capitalismo moderno, é por isso a tendência de qualquer movimento nacional. Os mais profundos factores económicos empurram para isso (...) o que é típico e normal para o período capitalista é o Estado nacional. (...) o Estado nacional é a regra e a «norma» do capitalismo.»
Daqui decorre que, para o proletariado, a auto-determinação de uma nação não é equivalente ao fim dos privilégios, e pode limitar-se à transferência de privilégios. No capítulo 4 (O «Praticismo» na Questão Nacional) deste texto, Lenine escreve:
Dar a resposta «sim ou não» à questão da separação de cada nação? Isto parece uma reivindicação extremamente «prática». Mas na realidade ela é absurda, metafísica no plano teórico, e na prática conduz à subordinação do proletariado à política da burguesia. A burguesia coloca sempre em primeiro plano as suas reivindicações nacionais. Coloca-as incondicionalmente. Para o proletariado elas estão subordinadas aos interesses da luta de classes. Teoricamente não se pode garantir antecipadamente que a separação de uma nação determinada ou a sua situação de igualdade de direitos com outra nação finalizará a revolução democrático-burguesa; para o proletariado é importante em ambos os casos garantir o desenvolvimento da sua classe; para a burguesia é importante dificultar este desenvolvimento, afastar para segundo plano as tarefas dele face às tarefas da «sua» nação. Por isso o proletariado se limita à reivindicação por assim dizer negativa de reconhecimento do direito à autodeterminação, nada garantindo a nenhuma nação, não se comprometendo a dar nada à custa de outra nação.
(...)
A burguesia das nações oprimidas chamará o proletariado a apoiar incondicionalmente as suas aspirações em nome do «carácter prático» das suas reivindicações. O mais prático é dizer abertamente «sim» à separação de tal ou tal nação, mas não ao direito à separação de todas e quaisquer nações!

O proletariado opõe-se a tal praticismo: reconhecendo a igualdade de direitos e o direito igual ao Estado nacional, ele valoriza e coloca acima de tudo a aliança dos proletários de todas as nações, valorizando do ângulo da luta de classe dos operários toda a reivindicação nacional, toda a separação nacional. A palavra de ordem de praticismo é de facto apenas a palavra de ordem de aceitação não crítica das aspirações burguesas.

Transpondo estas considerações para o Tibete, há que analisar quais as forças sociais que exigem a auto-determinação da região, quais as suas alianças, qual a sua natureza. E nesta questão não restam dúvidas. Desde a sua génese, que a independência do Tibete tem sido promovida pelos mosteiros tibetanos e pelos donos de terra, directamente atingidos pela política de reforma agrária e abolição do feudalismo e servilismo instauradas pela República Popular da China. Foram essas forças que levantaram armas contra a RPC em 1959, e depois constituiram o «governo em exílio» na Índia. Contaram então com o apoio da CIA, e continuam a receber o apoio dos EUA, como sugere o encontro do embaixador Estadunidense para a Índia, David Mulford, com o Dalai Lama em Dharamsala, na Índia, quando foi emitido o apelo «Movimento de Levantamento do Povo Tibetano» em Janeiro deste ano, que apontava para um início do «levantamento» a 10 de Março.

Sendo clara a natureza de classe das forças independentistas e as suas ligações com o imperialismo Estadunidense, que tem interesse político em enfraquecer a RPC, e comprovando os números que desde 1959 houve uma melhoria significativa nas condições de saúde e educação da generalidade do povo do Tibete, que diria então Lenine sobre o direito à auto-determinação desta região?

Por muito que se encontre defeitos no modelo Chinês, no seu percurso económico, na sua organização social, nas desigualdades que perduram, na condição de vida de muitos milhares de trabalhadores, não devemos deixar de analisar e considerar as forças que estão em jogo no seio do campo independentista. Não é necessário apoiar incondicionalmente a China, para reconhecer que este campo é constituido por sectores que tentam recuperar antigos privilégios, e que tem o apoio do imperialismo. É esse campo que devemos apoiar? É esse campo que trará melhores condições para o povo Tibetano?

Em 2005, tiveram lugar conversações entre o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, e o Dalai Lama, após as quais o Dalai Lama disse em entrevista ao South China Morning Press (14 Março 2005) que estava disposto a aceitar a integração na China, que abandonaria a luta pela soberania do Tibete por forma a realizar os interesses mais amplos do seu povo, beneficiando do sucesso do rápida crescimento económico e realizações da China: "Queremos a modernização. Para o nosso interesse, estamos dispostos a ser parte da RPC, e ser a RPC a governar e garantir a preservação da cultura, espiritualidade e ambiente do Tibete". Em Janeiro de 2007, exigia apenas mais autonomia para a região e apelou à aceitação do Tibete como parte do RPC. Mas esta mudança de postura face à RPC não estava conforme outros planos, e outras forças tomaram as rédeas.

Homenagem a Manuel Gusmão

Homenagem a Manuel Gusmão
e lançamento do seu mais recente livro
A Terceira Mão

No próximo dia 4 de Abril, às 18h30, na Sala Carlos Paredes, na Sociedade Portuguesa de Autores, Rua Gonçalves Crespo 62, em Lisboa.

Oradores Convidados: António Guerreiro, Fernando Cabral Martins, Gustavo Rubim, Helena Carvalhão Buescu, Kelly Basílio e Paula Morão.

Fica aqui o registo de um poema de Manuel Gusmão, do livro «Mapas / O assombro A sombra»:

a mão escreve na mente: a flecha
que viaja no papel a rosa dos ventos:
a clave do sol; la clef des jardins;

a chave como um comboio de criança
passando num pátio com palmeira, entre
o crepúsculo branco e a manhã vermelha;

a cidade crescera como os arcos das ondas
ao encontro das aéreas construções das nuvens;
a meio caminho triângulos acesos ondeavam

e a terra recordava-se murmurante
das raízes das árvores eléctricas
em cujos ramos brilhavam os peixes
profundos.

Nem com setas habitarias tal pátria
e por isso as pões na pintura que delira
e desenhas uma fairy queen: um canto

árabe uma princesa árabe escrita em sarapilheira
e aureolada pelo napalm; a floresta em construção
multiplica a lua cheia pelas paliçadas lacustres;

os barcos navegam uma noite branca
que se ergue como um monte iluminado
por monstruosas flores irregulares

em cruz e em espiral à tua espera

Liberdade de Expressão na Comunicação Social

Debate
Liberdade de Expressão

A Liberdade de Expressão na Comunicação Social vai ser o mote para um debate a realizar no próximo dia 3 de Abril, às 18h30 no Centro de Trabalho Vitória, e que tem como objectivo uma troca de opiniões, de experiências e de conhecimentos sobre esta relevante matéria. O painel será composto pelos jornalistas Correia da Fonseca, Fernando Correia e João Alferes Gonçalves, e moderado por Célia Figueiredo.

Numa altura em que no mundo do trabalho se agudizam as restrições às liberdades e a propriedade das empresas de comunicação social está cada vez mais concentrada, importa conhecer e debater as repercussões que o novo Estatuto do Jornalista (recentemente aprovado na AR por proposta do actual Governo) tem para o exercício da actividade dos profissionais da informação para a função da Comunicação Social

Promovido pelo Subsector da Comunicação Social do Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa do Partido Comunista Português

terça-feira, março 25, 2008

Alguns mitos sobre o Tibete

Reina em Portugal, e não só, algum desconhecimento sobre a história do Tibete, que aliado a alguma manipulação de informação, alguma desinformação, e uma visão um pouco idealizada sobre os tibetanos e o Dalai Lama, tem oferecido de bandeja uma oportunidade de ouro para atacar a República Popular da China. Eis uma lista, não exaustiva, de alguns mitos e suas desconstruções:
  • «A China ocupou o Tibete" — o Tibete foi uma parte integrante de vários reinos, incluindo o Mongol, Chinês, Nepalês, e sofreu inclusivamente uma tentativa de conquista por parte do império britânico no início de século XX. Durante a maior parte da sua história, parte ou todo o Tibete foi parte integrante da China, como região autónoma. Em 1951, foi celebrado o "acordo dos 17 pontos" entre a República Popular da China e os delegados do 14º Dalai Lama (o actual), acordo depois confirmado pelo governo do Tibete, que reestabeleceu a soberania da RPC sobre o Tibete. Esta soberania é reconhecida por todos os estados mundiais, e pelo próprio Dalai Lama. O ponto de contestação tem sido o grau de autonomia da região e o poder dos nobres e mosteiros tibetanos. Em 1951, à semelhança de noutras regiões da China, a RPC implementou em duas regiões do Tibete (Kham e Amdo), que considerou fora da administração central do governo do Tibete em Llasa, medidas de reforma agrária. Foram retiradas propriedades os nobres e monges, e redistribuidas aos servos, a vasta maioria da população. Tal desencadeou, em 1956, a resistência daqueles dois grupos (incluindo do Dalai Lama), insurreição esta que recebeu o apoio da CIA, algo largamente documentado. Foi no decurso do combate do RPC à insurreição dos grandes donos de propriedade que ocorreram conflitos armados, e foi após a derrota desta revolta que o 14º Dalai Lama se exilou para a India. No seguimento dessa derrota, o Tibete viu seu grau de autonomia diminuido, ou seja o poder dos latifundiários e dos monges, a reforma agrária foi alargada a todo o Tibete, e a servidão abolida.
  • «Há violações de direitos humanos no Tibete» — a abolição da servidão e o fim do regime feudal dos monges permitiu tremendos avanços económicos, políticos e culturais. A população cresceu, de 1959 até agora, de um milhão para 2,4 milhões, 95% dos quais são Tibetanos, e esperança de vida de 35,5 anos para 67 anos, sinais de melhorias na área de saúde e alimentação. A taxa de escolaridade cresceu de 2% para 81,3%.
  • «A China reprime a identidade Tibetana, comete genocídio cultural» — a China é um país multi-etnico, que engloba 56 etnias, sendo os Han a maioria (92%), mas contribuindo todas para a cultura Chinesa. No Tibete, a educação é bilingue, garantindo-se a aprendizagem da língua Tibetana. A rádio e televisão tem 20 horas diárias de emissões em Tibetano.
  • «O santo homem [Dalai Lama] e os tibetanos amantes de Buda não são ameaça para ninguém» (escrevia hoje Sérgio Coimbra, director do gratuito Meia Hora) — Há esta imagem que os Tibetanos são todos monges e muito zen. Se fossem todos monges, teriam grande dificuldade em reproduzir-se. Tão pouco são todos muito zen e em harmonia com o mundo, incluindo o muito instruido 14º Dalai Lama. Se assim fosse não tinha resistido a reforma agrária e a distribuição equitativa da terra usando a violência, em 1956; nem seriam capazes dos recentes surtos de violência incluindo o incêndio de edifícios, o saque de lojas Han, o espancamento de pessoas da etnia Han, os protestos violentos a 14 de Março em Llasa que resultaram na morte de várias pessoas (não pelos militares chineses, mas às mãos dos amotinados Tibetanos).
  • «O Dalai Lama é um santo homem» — O 14º Dalai Lama é um homem, importante para os budistas tibetanos, terá certamente palavras de grande sabedoria e até moderação. Mas herdou também um regime feudal baseado na servidão, cujo sistema procurou defender e prolongar. Filosoficamente o esoterismo budista exerce um fascínio sobre muitos ocidentais, mas há algumas ligações entre esta religião que me causam preocupação e reserva, em particuar uma ligação entre a última incarnação do Bodhisattva da Compaixão e a extrema direita. Há antes de mais a sua instrução por Heinrich Harrer, o alpinista austríaco, que se afiliou nas 'camisas castanhas' em 1933, e se juntou às SS quando a Alemanha anexou a Áustria. Harrer estava nos Himalaias quando despoletou a Segunda Guerra Mundial, foi preso pelos britânicos, mas logrou escapar e fugiu para o Tibete, onde após alguns anos contactou com o Dalai Lama, que veio a instruir sobre mundo ocidental até 1950, quando se preparava a re-incorporação do Tibete na RPC. Não vou ao ponto de dizer que o 14º Dalai Lama é um nazi, mas recebeu uma rica educação, que terá tido o seu peso na resposta dos monges à reforma agrária. Mais recentemente, ao ler o "Diário de um Skin", escrito por António Salas, um jornalista espanhol que esteve infiltrado no movimento de extrema-direita em Espanha (livro que recomendo vivamente), deparei-me com uma faceta do nazismo que me era desconhecida: o seu esoterismo e misticismo. Esta corrente atribui poderes sobrenaturais a Adolf Hitler, que ouvia uma voz interior providencial. Este tinha inúmeras amizades com esoteristas, astrólogos e videntes. No desenvolvimento desta frente esotérica, e combinada com o ataque ao cristianismo, os Nazis foram beber às religiões germânicas, mas também às religiões orientais, incluindo livros como as Upanishads e o Bhagavadgita. Himmler tinha sempre consigo uma cópia deste livro, e comparava Hitler a Krishna. Haveria um fascínio pelo sistema de castas praticado na Índia, e foi realizado uma expedição ao Tibete para encontrar os arianos primitivos. Um dos mais influentes ideólogos desta faceta esotérica do nacional-socialismo é o escrito chileno Miguel Serrano, que recebeu o 14º Dalai Lama na India quando este iniciou o seu exílio. E em 1992, que o 14º Dalai Lama visitou o Chile, passou «por cima do protocolo para ir abraçar efusivamente Miguel Serrano no Aeroporto de Santiago, perante o compreensível incómodo das autoridades chilenas». Como disse, não estou a sugerir que o 14º Dalai Lama seja um nazi, mas existem indícios inconsistentes com a imagem mais propagada no ocidente.
Não estou aqui a fazer uma apologia transversal da RPC, apenas a contribuir com alguns elementos que desmistifiquem a forma maniqueísta de expor a questão Tibetana. Esta nova vaga de atenção para a questão está indubitavelmente ligada à proximidade dos Jogos Olímpicos. Mas não deixa de ser curioso que tenha lugar num momento de ascenso da aproximação de Taiwan à RPC. O Presidente da República da China, Chen Shui-pien, perdeu as eleições deste último fim de semana, não logrando o terceiro mandato. Para a sua derrota terá pesado inúmeros escândalos de corrupção. Regressou à presidência o Kuomintang, através de Ma Ying-jeou. Este partido,, que esteve na origem da separação das duas Chinas, teve durante a campanha um discurso de aproximação à RPC. Ying-jeou chegou mesmo a cometer o "deslize", em Fevereiro de 2006, de dizer que era a favor da eventual reunificação.

sábado, março 22, 2008

Bernanke vs. Constâncio

Em Janeiro deste ano recebi um mail que comparava o ordenado do presidente da Reserva Federal nos EUA ao do Banco de Portugal. A diferença era substancial, mas há que manter sempre alguma reserva sobre a veracidade de informação que circula por correio electrónico. Gosto de ver os números corroborados em fontes mais fidedignas. Assim fui tentar verificar.
  • A página da Reserva Federal esclarece que o salário anual do seu presidente (Chairman) será, em 2008, de $191.300 (ou, €121.882, segundo a actual taxa de câmbio). O salário dos restantes membros da direcção da RF, incluindo o vice-presidente, é de $172.200 (ou, €109.713).
  • A página do Banco de Portugal esclarece que governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, recebeu, em 2007, €249.448, sendo os vencimentos dos 2 vice-governadores e 3 administradores €233.857 e €218.266, respectivamente.
Em conclusão:
(1) os membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal ganham um porradão de massa, ponto final.
(2) mas para por as coisas ainda mais em perspectiva, embora uma perspectiva muito distorcida, ganham o dobro dos membros do Conselho de Administração do Federal Reserve.

Como refere o tal correio que recebi:
O que mais impressiona nestes números é que o homem que é escutado atentamente por todo o mundo financeiro, cuja decisão sobre as taxas de juro nos afecta a todos, ganha menos do que o seu equivalente num país pobre, pequeno, periférico, que apenas uma ínfima parcela desse território presta alguma atenção!
Já agora, uma correcção ao tal mail. Enquanto o chairman do Fed fixa a taxa de juro, o presidente do Banco de Portugal já nem isso faz, já que a Aliança Neoliberal (PS-PSD-CDS/PP) entregou esse instrumento de soberania monetária e financeira nacional ao Banco Central Europeu.

A Reserva Federal dos EUA tem também um carácter que a distingue dos restantes bancos centrais: tem aspectos públicos e privados. A componente pública inclui o mandato de emitir dólares e regular o seu valor, de regular os bancos privados. O seu presidente do Conselho é nomeado pelo Presidente (mediante sugestão dos bancos privados), e o Congresso tem poderes de fiscalização sobre ele (responsabilidade que não exerce). Mas a sua actividade e decisões estão inteiramente e directamente sob os auspícios dos bancos privados, que nomeiam seis dos nove membros do Conselho de Administração do Fed. É esta estrutura e poder que tem permitido a emissão de dólares como se fosse dinheiro de monopólio. Mas desenvolvimento deste assunto tem de ficar para um post posterior. Como introdução sugiro o filme "America: From Freedom to Fascism" (2006).

Dia Mundial da Água

Num post anterior escrevi sobre a indústria alimentar e a espiral de processamento de produtos alimentares como forma de garantir uma taxa de lucro neste sector. Na altura esqueci-me de referir talvez o sinal mais perverso deste processo: o processamento (desnecessário) de água da torneira, seu engarrafamento e venda a preço de ouro. Leiam aqui sobre como a Pepsi admitiu engarrafar água municipal, que depois vende a 7000 (!) vez o seu preço original.

Enfrentamos hoje em dia dois perigos no acesso a água potável:
(1) prevê-se que as modificações climáticas levem ao agravamento da desertificação em várias regiões de elevada densidade populacional. Um modelo prevê que a percentagem da população que enfrenta seca extrema irá aumentar de 3 para 18%, e 30% da população mundial, incluindo Portugal, irá enfrentar seca severa.
(2) o processo de exploração capitalista sobre este recurso, através da privatização da gestão e controlo no acesso a água potável.
Ambos processos contribuem para que as "guerras de água" já não sejam matéria de ficção científica, mas um perigo real.

No dia Mundial da Água, chamo atenção para petição lançada pela Associação Água Pública: PELO DIREITO À ÁGUA - POR UMA GESTÃO PÚBLICA DE QUALIDADE
Considerando que o processo de privatização da água em curso é uma grave ameaça ao acesso de todos à água, os abaixo assinados, exigem:

* A consagração da propriedade comum da água e da igualdade de direito ao seu usufruto como direito de cidadania.
* A garantia do acesso de todas as pessoas à água potável como serviço público.
* A manutenção dos serviços de água sob propriedade e gestão públicas e sem fins lucrativos.
* O enquadramento legal, institucional e de administração económica que garanta de facto o direito de cada pessoa à água, à saúde e à natureza.
* A gestão integrada da água como responsabilidade pública inalienável, assegurada por legítimos representantes dos cidadãos, visando a melhoria do bem-estar comum da população actual e das gerações vindouras.
* Serviços públicos de água competentes, transparentes e funcionais dotados dos recursos necessários.
* Uma gestão da água baseada num planeamento participado e democrático.
Para mais sobre a ciência da água, vejam a versão online da exposição sobre água do American Museum of Natural History de Nova Yorque. Para um visita mais cómica a esta exposição vejam este episódio recente do Colbert Report, um programa humorístico.

quinta-feira, março 20, 2008

5 anos de guerra

Cumprem-se hoje cinco anos sobre a invasão e ocupação do Iraque pelos EUA e Co. No passado dia 16, cumpriram também cinco anos sobre a Cimeira das Lajes, que reuniu George W. Bush, e os então primeiro-ministros da Grã-Bretanha, Espanha, e Portugal.

Em Lisboa, «a colocação de faixas , num viaduto junto à Embaixada dos Estados Unidos, mereceu a deslocação de um desproporcionado dispositivo policial, que procurou, através de vários meios de coação, impedir o livre exercício dos direitos e liberdades democráticas consagradas na Constituição Portuguesa.»[Comunicado do Conselho para a Paz e Cooperação] e identificar os activistas pela paz [ver reportagem RTP].

A 7 de Fevereiro de 2003, o então Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, previa a duração do conflito:«6 dias, 6 semanas, duvido que dure 6 semanas.» (Youtube) Com alguma sorte, não passará muito dos 6 anos.

Nos EUA, decorreram também alguns protestos, mas sem a dimensão dos protestos de anos anteriores, ou até mesmo do ano passado. A campanha eleitoral presidencial tem tido o efeito perverso de roubar espaço de intervenção e militantes aos movimentos sociais. Há como que uma expectativa do que poderá resultar em Novembro. Um estudo do Pew Research Center for the People & the Press revela que a atenção dada à guerra do Iraque está muito abaixo da atenção dada à campanha eleitoral, ou até à demissão do governador do estado de Nova Yorque pela sua ligação a uma rede de prostituição.



A percepção da guerra é certamente influenciada pela sua cobertura na comunicação social, que tem vindo a diminuir durante o ano de 2008, até apenas 3% das notícias. Assistiu-se também a uma notável quebra da percepção do número de mortos estadunidenses em virtude da guerra: apenas 28% dos inquiridos estimaram o seu número perto da cifra correcta de 4000 soldados mortos.

Esta perda de momento pelos movimentos sociais sublinha a importância de manutenção da luta social nas frentes social, institucional e eleitoral, lição que importa ter presente também em Portugal durante o próximo ano. Apenas com movimentos sociais fortes e interventivos se podem alcançar resultados eleitorais positivos, e depois garantir que as instituições levem a cabo programas de transformação. Sem a a vigilância e intervenção persistente dos movimentos sociais, os períodos eleitorais podem traduzir-se paradoxalmente em fases de enfraquecimento desses movimentos.

domingo, março 16, 2008

Convenção Nacional do Partido Democráta

O funcionamento interno e o sistema de eleição dos candidatos dos partidos democrata e republicano nos EUA é efectivamente muito diferente da realidade partidária e eleitoral portuguesas. (A recente proposta de Luís Filipe Meneses, de os militantes do PSD não terem que pagar obrigatoriamente quota é também muito estranha à prática partidária portuguesa.)
Começa pela forma como um eleitor se torna militante. Quando um cidadão se regista como eleitor, pode eleger registar-se como afiliado a um determinado partido. Tal não é equivalente a ser membro do partido por inteiro, ter cartão de militante, pagar quotas, participar nas suas actividades internas, mas permite a esse eleitor participar nas eleições primárias ou «caucus» desse partido. [Como vimos num post anterior, um eleitor afiliado num partido pode em alguns estados até participar nas primárias de outro partido]. O impacto das eleições primárias e «caucus» na escolha do candidato partidário tem também variado muito ao longo do tempo. Vejamos só um pouco da história recente das convenções democráticas do Partido Democrata (PD).

A Convenção Nacional do PD de 1968, em Chicago, ocorreu num momento de enorme reboliço social nos EUA, de protesto contra a guerra no Vietname, de batalha por direitos democráticos, e de luta de classes. Apesar disso, a expectativa era que Johnson ganharia a nomeação do seu partido à corrida presidencial. O senador democrata Eugene McCarthy apresentou-se como candidato alternativo, não na expectativa de ser nomeado, mas para dar visibilidade à plataforma anti-guerra. (Trata-se de um homónimo mas não familiar de Joseph McCarthy, responsável pela perseguição de comunistas e outros democratas nos anos 40 e 50.). Na eleição primária de New Hampshire, Johnson foi quase derrotado por McCarthy (49% vs. 42%). Alguns dias mais tarde, Robert F. Kennedy, entrou na corrida, também com uma plataforma anti-guerra. Uma semana antes da primária em Wisconsin, com indicação de vitória de McCarthy nas sondagens e perante um partido dividido, Johnson anunciou que abandonava a corrida. Hubert Humphrey, vice-presidente de Johnson, lançou-se então na corrida com a sua apoio deste, claramente como um candidato da continuidade da guerra. Humphrey contava com o apoio dos dirigentes do PD, e não participou nas eleições primárias, enquanto McCarthy e Kennedy faziam campanha no terreno tentando mobilizar o apoio do eleitorado. O primeiro grande confronto entre os dois deu-se em Junho, nas eleições primárias da Califórnia. Kennedy venceu as eleições, mas foi assassinado pouco momentos depois do seu discurso de vitória.
No seguimento, George McGovern anunciou a sua candidatura, dividindo o apoio anti-guerra do PD.
Nesse ano, o processo de selecção de delegados estava fortemente controlado pelas organizações estaduais do PD. A maioria não era eleito através das votações nas primárias e «caucus». A decisão foi tomada nas salas de fumo da convenção ("smoke-filled rooms") entre os dirigentes do partido. Perante a divisão entre candidatos anti-guerra, e tendo o apoio da estrutura partidária, Humphrey obteve a nomeação da convenção nacional, apesar do forte sentimento anti-guerra dentro do PD e na nação. McCarthy obteve apenas o apoio 23% dos delegados. A convenção foi também marcada por grande protestos anti-guerra. O então Presidente da Câmara de Chicago, um influente líder do PD e apoiante de Humphrey, colocou a guarda nacional na rua, e os conflitos entre manifestantes e militares multiplicaram-se, resultando em cenários de guerra e levando um dos delegados na convenção, o Senator Abraham Ribicoff, apoiante de McGovern a referir-se à presença da Gestapo nas ruas. Mas formam oito dos manifestantes, conhecidos como os «Oito de Chicago», que foram acusados de conspiração associada à violência durante a convenção. Humprhey, o candidato do PD, acabou por perder as eleições presidenciais para Richard Nixon, apesar da última cartada do presidente Johnson, a «supresa de Outubro» original, nomeadamente a declaração de suspensão dos bombardeamentos no norte do Vietname, vista a posteriori como uma tentativa de melhorar as hipóteses da eleição de Humphrey.
Nesta mesma convenção foi decidido formar-se uma comissão para re-examinar o modo de eleição dos delegados à convenção. A comissão, liderado por McGovern, determinou que as eleições primárias e «caucus» deveriam ser determinantes para a nomeação do candidato do PD. Medidas análogas foram depois introduzidas no Partido Republicano.
Vendo o poder de influência dos lideres partidários diminuida, em 1982, uma nova comissão, liderada por Jim Hunt, criou a categoria de «superdelegados», delegados por inerência não mandatados a qualquer candidato. O plano original visava que 30% dos delegados fossem «superdelegados». Na prática, essa proporção tem vindo a aumentar gradualmente: eram apenas 14% na sua primeira introdução, em 1984, sendo de 20% na convenção deste ano. Como já referido num post anterior, dado a proximidade entre Obama e Clinton, estes «superdelegados» poderão vir a ter uma influência na escolha final.

Brigada de Costumes

O grupo parlamentar do PS não mais nada em que se preocupar? O desemprego, a precariedade, a desigualdade económica, ou até o ataque aos professores e ao ensino público e democrático, o ataque à soberania nacional, o envio de militares para o Afeganistão e Kosovo? Certamente haverão coisas mais importantes que criar uma legislação moralista que «proíbe a colocação [de piercings] na língua e na boca, bem como "na proximidade de vasos sanguíneos, de nervos e de músculos", o que inclui os órgãos genitais» (Público 15.03.2008). Se faltava regulamentação nesta actividade, certamente que esta se podia limitar à garantia de condições de higiene para o que recebe e o que efectua o piercing. Não era precisar o Estado limitar escolhas individuais. Com base em quê? Garantidas as devidas condições de higiene e precauções, o piericing da língua ou dos orgãos genitais não constitui uma ameaça à saúde do indivíduo. Esta limitação só pode assentar numa rejeição de um estilo, de um costume.
Os piercing tiveram um ressurgir na civilização ocidental moderna, mas tem uma larga tradição na história humana. O uso de piercing das orelhas (brincos), por homens e mulheres, faz parte da cultura europeia há centenas de anos, mas qualquer pesquisa mínima das culturas mundiais revela uma enorme diversidade de piercing. À esquerda vemos um artista nigeriano com um piercing da língua, certamente menos higiénico que as varas metálicas que tendem agora a ser usadas no ocidente. À direita vemos a colocação tradicional entre os Surma da Etiópia de um "prato" de madeira no lábio inferior. Várias práticas religiosas envolvem auto-mutilação através de piercings corporais como expressão de devoção à fé e sacrifício. Faz sentido que se procure garantir que estas práticas ocorram com um mínimo risco para a saúde, mas daí a proibi-las?
Mas o projecto lei, apresentado pelo deputado socialista Renato Sampaio, vai mais longe na seua regulamentação dos costumes, propondo a proibição de qualquer tipo de «piercings, tatuagens e de maquilhagem permanente a não emancipados e a menores de 18 anos», mesmo havendo consentimento dos pais. De novo, qual a lógica por detrás de tamanha limitação de costumes. A tatuagem então tem uma longa tradição na cultura europeia e mundial, que teve recentemente um ressurgir e alargamento. É uma forma de expressão corporal, que, mais uma vez, garantidas condições de higiene não constitui qualquer perigo à saúde. Diz Sampaio que «da mesma forma que um menor de 18 anos não pode comprar cigarros mesmo que leve uma declaração dos pais», não pode fazer tatuagem com consentimento paterno. Mesmo admitindo o dano do tabaco à saúde e a legitimidade do Estado em limitar a sua venda a menores, e esquecendo a incongruência de simultaneamente se permitir a venda de bebidas alcoólicas a menores, haverá que concordar que uma tatuagem em nada se assemelha à venda de tabaco. Isto é passar um atestado de estupidez às pessoas, e infringir os seus direitos de expressão com um moralismo que não tem lugar numa sociedade livre.
Para tomar posição sobre este assunto o nosso gosto pessoal é irrelevante. Eu cá não gostava de ter uma bola metálica na língua, ou ter a minha língua bifurcada, ou ter implantes subdérmicos. Mas a minha opinião, ou a do Renato Sampaio e sua brigada dos costumes, não é perdida nem achada quando o Zé ou a Maria tomam essa opção. Curioso este pensamento único ocidental, que apregoa «menos estado» no que diz respeito aos serviço públicos e à intervenção no mercado, mas depois acha-se incumbido de limitar as nossas liberdades e direitos.

sexta-feira, março 14, 2008

Eleições Presidenciais nos EUA I

Tendo escrito sobre as eleições presidenciais para «O Militante», não tive ainda ocasião de escrever aqui na Jangada de Pedra. Mas como ainda há muito por decidir, ainda vou a tempo. É aliás surpreendente que a corrida à candidatura do Partido Democrata (PD) ainda não esteja decidida. Faltam apenas os votos de 8 estados e as regiões de Guam e Porto Rico. A próxima eleição primária é só a 22 de Abril, quando tiver lugar a votação no estado de Pennsylvania, representando 158 delegados à Convenção Nacional do PD. Ficará então a corrida ente Obama e Clinton decidida?

Obama lidera neste momento em termos de números de estados ganhos e na contagem de votos, mas o que conta são os delegados eleitos à Convenção Nacional e os «superdelegados». Segundo as presentes regras do PD, os delegados são eleitos proporcionalmente aos votos, segundo vários círculos dentro de cada estado ; já no Partido Republicano (PR) cada estado funciona como um círculo uninominal: quem ganha o estado, ganha todos os delegados. Assim há casos caricatos: Clinton "ganhou" New Hampshire por uma pequena margem de votos, mas obteve o mesmo número de delegados que Obama. O inverso sucedeu em Missouri. É de assinalar que Obama ganhou vários estados com mais de 70% da votação (Clinton só superou a fasquia dos 60% em Arkansas).

Assim, Obama tem 1,367 delegados vinculados à sua candidatura, enquanto Clinton tem 1,224, sendo necessário obter um total de 2,025 delegados para garantir a nomeação. Estas são projecções, pois o complexo sistema eleitoral estadounidense inclui várias modalidades de votação para os candidatos de cada partido: as eleições primárias e os «caucus».

O termo primárias, no sentido estrito, refere-se apenas aos estados em que as pessoas se dirigem às mesas de voto para ai expressarem o seu voto (num boletim, ou em voto electrónico). Os estados variem em quem pode votar nas eleições para o candidato do PD ou PR. Em alguns estados, o eleitor precisa de estar previamente registado como apoiante desse partido (primárias fechadas). Noutros estados, um eleitor registado como independente pode determinar no momento de voto participar nas eleições do PD ou PR (primárias semi- fechadas). Há mesmo a variante curiosa de um eleitor registado no PR pode votar nas eleições do PD, ou vice-versa (primárias abertas), o que permitiria membros de um partido influenciarem a eleição do candidato do partido oponente (fenómeno conhecido como raiding).

O processo de eleição por «caucus» envolve assembleias locais onde são nomeados delegados para em assembleias de nível autárquico superior, culminando nas assembleias estaduais onde são eleitos os delegados à Convenção Nacional. A expressão de voto nas assembleias varia consoante o estado e o partido. Por exemplo, no PD em Iowa, nas primeiras assembleias reunem-se os eleitores, são apresentadas as candidaturas, e os eleitores agrupam-se na sala da assembleia segundo o candidato da sua preferência. Há então um período de discussão para convencer os eleitores dos outros grupos, após o qual pode haver trocas entre grupos. No fim contabilizam-se o tamanho dos grupos e nomeiam-se os delegados para a assembleia seguinte. Nos estados que têm o processo de «caucus» ainda não foram nomeados estes delegados, podendo apenas estimar-se o seu número com base nas votações nas assembleias inferiores. Embora os delegados eleitos fiquem mandatados para votar num determinado candidato podem mudar a sua intenção de voto.

Mas além dos delegados mandatados pelas eleições primárias e «caucus», o PD tem também a figura do «superdelegado», delegados por inerência que não estão mandatados. São todos os membros do Senado e Casa de Representantes do PD, os governadores, dirigentes do partido, ex-presidentes e líderes do congresso. Ao todo representam um quinto dos delegados na assembleia. Tendo em conta a liderança de Obama de pouco mais de cem delegados, estes 793 «superdelegados» podem ainda ter um peso determinante. Vários «superdelegados» já tornaram pública a sua intenção de voto, declarando o seu apoio a um candidato ou tomando a eleição no seu estado como mandato. Para alguns a intenção de voto é óbvia (e.g., Bill Clinton), mas para cerca de um terço dos «superdelegados» é matéria de especulação. O New York Times dá uma vantagem a Clinton no número de superdelegados, embora insuficiente para superar Obama.

Há ainda um outro factor desconhecido: os estados da Florida e Michigan. As organizações estaduais do PD destes estados não cumpriram as regras nacionais do PD sobre calendarização das eleições. A direcção nacional preveniu os estados que os seus delegados não seriam aceites na convenção nacional, mas a pressão este ano para antecipar as eleições estaduais foi tal que as datas foram mantidas. Os candidatos não fizeram campanha nestes estados, mas as votações tiveram lugar (Clinton ganhou ambos os estados). Dada a proximidade entre os dois candidatos, e o desejo dos estados participarem, procura-se agora encontrar uma solução, que pode passar por aceitar os delegados já eleitos ou refazer as eleições.

sábado, março 08, 2008

Marcha da indignação








Foram mais de 100,000 professores a desfilar do Marquês de Pombal até à Praça do Comércio (ver), numa maré compacta de indignação contra a política de educação do governo Sócrates e pela demissão de Maria de Lurdes Rodrigues. Veremos se o autismo de Maria de Lurdes continuará após tão impressionante demonstração de firmeza, determinação e unidade. Se persistir em impor a sua reforma de avaliação, em destruir a escola democrática, em atacar os professores, não tarda nada terá reforma antecipada.

Os trezentos

Recusando uma solução pacífica do conflito colombiano – com destaque para a recente intervenção do Presidente Hugo Chavez - e as repetidas propostas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) de abertura de negociações políticas, Álvaro Uribe, Presidente da Colômbia respondei com a «Operação Fénix». No fim de semana passado, forças militares da Colômbia invadiram território Equatoriano e assassinaram 16 guerrilheiros colombianos das FARC, incluindo Raúl Reyes, um dos principais comandantes das e um dos principais protagonistas das recentes iniciativas das FARC de libertação unilateral de prisioneiros.

Esta violação da soberania e inviolabilidade territorial do Equador deu origem a compreensíveis preocupações por parte do Equador e também da Venezuela, país vizinho da Colômbia, que prontamente movimentaram tropas para as suas fronteiras com a Colômbia. Não satisfeito com a tensão criada pelo seu raide militar, a Colômbia fez uso de documentos capturadas no Equador para acusar a Venezuela de estar a financiar e fornecer armas às FARC (leiam textos), indo ao ponto de «denunciar Chávez pelo financiamento de genocídio".

Examinem-se as evidências da alegação de que a Venezuela financia as FARC. A denúncia mais pontual será a entrega de $300 milhões que Chávez entregaria às FARC, inferido a partir da descodificação de carta enviada por Iván Márquez ao secretariado das FAC em Dezembro de 2007:
1. Con relación a 300, que en adelante llamaremos "dossier" ya hay gestiones adelantadas por instrucciones del jefe del cojo, las cuales comentaré en nota aparte. Al jefe lo llamaremos Ángel, y al cojo Ernesto.
Como o jornalista John Pilger nota, no texto original não é explícito que «300» se refere a dólares, ou que o chefe é Chávez. Alías o parágrafo seguinte da mesma mensagem, refere Chávez explicitamente em ligação aos planos por este propostos para a libertação de presos.
2- Para recibir a los tres liberados, Chávez plantea tres opciones:
Plan A. Hacerlo a través de una "caravana humanitaria" de la que harían parte Venezuela, Francia, Piedad, Suiza, Unión Europea, demócratas, Argentina, Cruz Roja…, etc.
Mecanismo: similar al utilizado cuando nos recogieron para los diálogos de Caracas y Tlaxcala, es decir, en helicópteros recogerían en la coordenadas que se indiquen, y que sólo conocerá Rodríguez Chacín. De ahí serían trasladados a un aeropuerto cercano donde los esperaría un avión para trasladarlos directamente a Caracas. Acepte o no Uribe esta fórmula, de todas maneras pierde.
Plan B: sin importar el tiempo, recogerlos en la frontera con Venezuela. Plan
[Plan ]C: recogerlos en la frontera con Ecuador.
Tendo em conta o referido no ponto 2, não faz sentido que «300» se refira não a dólares, mas à «liberación unilateral [das FARC] de 304 militares y policías capturados en combate, de Clara Rojas y Consuelo de Perdomo, de los cuatro congresistas y los policías del Putumayo, entre otros.» (Comunicado das FARC, Fevereiro 2008) Chávez serviu de intermediário entre as FARC e o governo da Colômbia, a pedido deste, para mediar a libertação de prisioneiros. Chávez reuniu com Iván Márquez, na Venezuela, não havendo razão para esconder uma relação assumida publicamente.

A única outra referência ao «dossier» que encontro nos documentos apreendidos consta numa carta de 8 de Fevereiro de 2008:
1- Realizamos en 6346-6847-6875-6242 el encuentro con Ángel. (...)
2- Ya tiene disponibles los primeros 50 y tiene un cronograma para completarnos 200 en el transcurso del año.
3- El amigo de 348-6546-6447-6849-6471-6542 le sugirió trabajar el paquete por la vía del mercado negro para evitar problemas. El 17 de este mes llega a 6371-6845-6371-6242 un alto delegado de ese amigo para concretar el listado. Ángel nos pidió estar allí para que cuadremos personalmente con el delegado. Esto es clave.
4- Nos ofreció la posibilidad de un negocio en el que nosotros recibimos una cuota de petróleo para comercializarla en el exterior, lo cual nos dejaría una jugosa utilidad.
Otra oferta: venta de gasolina a Colombia, o en Venezuela.
Tomando del dossier, creación de una empresa rentable para inversiones en Venezuela.
Posibilidad de adjudicación de contratos del Estado. En todo lo relacionado con este tema participó el gerente de "6579-6545-6245-6449". Para lo pertinente, Ángel designó a Ernesto para que coordinemos con él.
5- Paso a otro tema. El Presidente Chávez pide al camarada Manuel, lo siguiente:
A) que le permita hacerle a las dos partes la siguiente propuesta. Que está dispuesto a recibir en su territorio (tal como se lo pidió el teniente en su carta) los 47 prisioneros en nuestro poder y los 500 guerrilleros presos por el régimen. Los tres gringos estarían solamente si de la otra parte está Sonia y Simón.
B) Una vez aceptada por nosotros lanza la propuesta pública dirigida a FARC y al gobierno y simultáneamente convoca a los países latinoamericanos a apoyar esta iniciativa, la cual generará gran presión sobre Uribe.
C) Tiene proyectado crear una especie de "Grupo de Contadora", que podría llamarse, dependiendo del lugar de la reunión en Venezuela, "Grupo Bolívar" o "Grupo isla de Margarita". Este grupo entraría a trabajar buscando nuestro reconocimiento como fuerza beligerante y desplegaría una gran actividad en pro de un proceso de paz en Colombia. En el grupo estarían Venezuela, Argentina, Brasil, Cuba, Ecuador, México, Nicaragua. Podrían estar también Francia, Suiza y España. Los curas, no. Por supuesto las FARC serían invitadas a las sesiones del grupo. Sería un reconocimiento de facto a la beligerancia de FARC. Pide una respuesta pronta a esta iniciativa integral, la cual recapituló así:
A) Las FARC envían todos los prisioneros a Venezuela.
B) Las FARC sólo lo harían si el gobierno de Colombia envía primero los 500 guerrilleros reclamados.
C) Obtenida una respuesta de nuestra parte, entraría a pedir el apoyo del mundo y de Uribe una respuesta.
D) Al recibir, ubica a los prisioneros de las dos partes en un campamento humanitario, con presencia de la prensa, delegados internacionales y FARC.
E) Dice que una respuesta positiva de nuestra parte, pulverizaría el impacto negativo que pudo haber tenido la marcha manipulada contra nosotros el 4 de febrero. Está dispuesto a impulsar "contra marchas" en varios países a favor del canje y la paz.
Neste extracto, já a interpretação de «dossier» parece mais claramente ser não de presos, mas dinheiro. E mais uma vez se torna duvidoso que «Ángel» seja Chávez, já que este é referido de novo explicitamente e em conexão com a libertação de presos.

Não pretendo com isto concluir que os documentos não permitem concluir uma ligação financeira entre Chávez e as FARC. Uma inferência tão conclusiva exigiria um estudo mais cuidado. Queira apenas chamar à atenção que a interpretação mais difundida dos documentos, e usada pela Colômbia para justificar a sua incursão no Equador e a retórica violenta contra Chávez, é baseada numa interpretação de documentos que no mínimo merece ser escrutinada com atenção. E que as notícias da comunicação social veiculam passivamente as alegações de Uribe, sem se referirem, na maior parte dos casos, ao papel que Chávez teve na recente tentativa de criar diálogo entre as FARC e governo Colombiano e levar à libertação de presos de ambas partes, embora tal venha muito claramente referido nos mesmos documentos.

Ainda neste tema, e porque também não recebeu muita atenção na comunicação social, refiro a manifestação que teve lugar em Bogotá na quinta feira passada, em homenagem às vítimas do paramilitarismo, parapolítica e crimes de estado em mais de 20 cidades Colombianas e 100 cidades pelo mundo. Sendo frequentemente sublinhada a violência e alegada relação das FARC com narcotraficantes, já a violência do estado Colombiano, a sua ligação com forças paramilitares, e a ligação destas ao narco-tráfico já é menos referida.

Vale também a pena referir a resposta de hillary Clinton e Barack Obama, candidatos à nomeação presidencial do Partido Democrata dos EUA, quando questionados sobre a «Operação Fénix». Ambos afirmaram que o governo da Colômbia tem o direito de defender-se (frase que ecoa a resposta Israelita sobre os recentes raides na faixa de Gaza). Clinton adiantou ainda que "Chávez tem de por fim às suas acções provocatórias" (?!).