domingo, abril 30, 2006

1º Maio de 2006: 120 anos depois

Passados 120 anos de comemoração do Dia do Trabalhador no 1º Maio, desgraçadamente vive-se um periodo de gravíssimos ataques sobre os direitos dos trabalhadores. Direitos conquistados com a luta, assegurados pela unidade e força sindical vêm-se crescentemente ameaçados, caracterizados como previlégios, empeçilhos ao desenvolvimento económico. Ao mesmo tempo, a flexibilização do trabalho e a globalização de trabalho e capital apresenta enormes desafios à organização sindical. Por isso a luta organizada é ainda mais importante.
Em Portugal, 2006 iniciou-se com um novo governo socialista, com o apoio maioria absoluta na Assembleia da República. Em breve seria eleito à primeira volta o primeiro presidente da república de direita. Institucionalmente, perspectivam-se quatros anos de política de direita e sérios ataques aos trabalhadores. Apesar disso, há que manter esperança, pois só através da luta se poderão defender os direitos adquiridos e proteger a Constituição de Abril.
Nem todo o povo português se resigna e conforma. Muitos, quer por seu espírito combativo quer por necessidade de sobrevivência, demonstram o seu desagrado pelas propostas do governo, resistem despedimentos, exigem uma vida melhor.

sábado, abril 29, 2006

Portugal: Ataques à Função Pública

O líder do PSD, Marques Mendes, em entrevista ao Diário Económico (26/05/06) defendeu a diminuição do número de funcionários do Estado: "Há funcionários públicos a mais e devemos diminuir o seu número, diminuindo assim a despesa corrente do Estado." Adiantou que "têm de sair do Estado não através de despedimentos, mas através de rescisões." Pois que simpático - já para o sector privado defende a maior flexibilização dos despedimentos.
A pergunta que se impõe é: há de facto funcionários públicos a mais? Face a quê? Face às necessidades - quer dizer, por exemplo temos as escolas têm tantos professores que as turmas são muito pequenas, ou há demasiados médicos e enfermeiras no número excessivo de centros de saúde, ou o atendimento nas finanças são demasiado rápidos, nem dá para acabar de ler o jornal enquanto se espera? Ou será que há funcionários públicos a mais face aos nossos parceiros na União Europeia? O gráfico abaixo demonstra que tal está muito, muito longe da verdade.
Tão pouco as razões são meramente economicistas: serem demasiados face aos constragimentos orçamentais. No caso de Marques Mendes, o Estado tem de ser como as super-modelos: magro. E por muito que MM se tente distinguir ideologicamente com este ponto face ao governo de José Sócrates, a verdade é que ambos partidos têm contribuido para emagrecer o estado, privatizando sectores públicos, e como tal também transferindo os lucros que empresas públicas contribuiam para os cofres do Estado para os bolsos de uma dúzia de grupos económicos.
Há que desmascar mais este mito, que Portugal se distingue por ter demasiados funcionários públicos, porque simplesmente não corresponde à verdade. Embora hajam alguns funcionários em particular que eu não me importava de ver pelas costas, começando pelo próprio Sócrates...

segunda-feira, abril 24, 2006

Portugal: Viva o 25 de Abril!

Passados 32 anos sobre o 25 de Abril de 1974, há quem se atreva a afirmar que talvez "um levantamento militar não fosse necessário, só veio gerar instabilidade e confusão, afinal o regime estava a mudar por dentro, com o Marcelo Caetano já o regime era diferente havia maior abertura". Branqueamentos históricas sobre o regime sob Marcelo não merceriam correcção não fosse o facto de mentiras repetidas lentamente se tornarem verdades (lá nisso o Goebels tinha razão), e o enorme disrespeito que tais afirmações prestam, entre outros, aos militares que morreram na guerra durante o Marcelismo, ou aos presos políticos torturados durante esse periodo. Deixo aquí o depoimento de Luís Moita preso às 7h30 do dia 27 de Novembro de 1973, no seguimento do "caso da capela do Rato". Quatro agentes da DGS entraram na sua casa sem mandado de captura e levaram-no para a prisão de Caxias, sem deixarem cópia do auto de apreensão. Moita só foi liberto na madrugada de 26 de Abril. O seu testemunho illustra quão 'brando' se havia tornado o regime de Marcelo.
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1.° DIA - Cerca das 10 horas sou levado para a cadeia do forte de Caxias, indo directamente para uma sala de interrogatório no reduto sul. Logo a seguir, um agente pergunta-me se quero ser tratado como um homem ou como um animal, dizendo-me que têm ordens para actuar sem contemplações e que, quanto a mim, só tinha três hipóteses: ou falar, ou morrer, ou enlouquecer. Menos de meia hora depois da minha entrada na prisão começa o primeiro espancamento: quatro agentes bateram-me ferozmente com matracas (uma delas era de aço em espiral e outras três de borracha dura); atingiam-me sobretudo nos ombros, nos braços, nas nádegas e nas coxas, davam-me murros no estômago e nos intestinos, bofetadas na cara, pontapés, joelhadas... Por muitas vezes caí ao chão e então obrigavam-me a levantar batendo ainda mais bruscamente. Tive alguns desmaios - sem nunca perder os sentidos por completo - até que me atiravam copos de água e assim fiquei todo molhado e rebolava-me no chão também molhado e pouco antes do meio-dia suspenderam o espancamento para o almoço, mas não consegui mais do que comer um pouco de sopa. Levaram-me a tirar as habituais fotografias para identificação e de novo me trouxeram para a sala de interrogatório, onde começaram a agredir-me das formas mais variadas: atiravam-se de calcanhares para cima dos meus pés, davam-me pontapés nas pernas e qualquer agente que entrava me dava bofetadas ou murros.
Tão depressa tremia com frio como sentia imenso calor e de novo tive diversos desmaios de maneira que tinha de me deitar no chão para não cair desamparado. Comecei a sentir suores frios e um agente disse-me que eu estava com péssimo aspecto e então mandaram-me para a cela do reduto norte. Ao fim da tarde comi mais um pouco de sopa e como estava cheio de arrepios mandei chamar a enfermeira-ela pôs-me o termómetro (tinha 37,8) e disse-me que a febre se devia atribuir à reacção do organismo e ao esforço de reabsorção do sangue pisado; teve a enfermeira que me fazer a cama (porque eu não conseguia), deu-me uma aspirina e uma massagem com Hirudoid. Consegui descansar um pouco nessa noite.
2.° DIA -Logo de manhã, fui ao médico a quem me queixei dos hematomas, da febre e da urina avermelhada - ele recusou-se a observar-me e diagnosticou uma gripe! Receitou-me um forte antibiótico que se destinava, obviamente, a prevenir muitas infecções no corpo.
A meio da tarde fui novamente chamado ao reduto sul, para uma sala das brigadas d'a D.G.S. no rés-do-chão, onde tive o segundo espancamento. Se o primeiro tinha sido bastante «científico» (evitavam atingir-me em pontos sensíveis, procuravam, sobretudo magoar), este segundo foi totalmente descontrolado e muito mais violento: agora eram seis agentes com matracas (de metal, de borracha e de madeira), que me batiam em todos os pontos do corpo, incluindo a cabeça e a cara; as pancadas na cabeça produziam uma enorme vibração por todo o corpo; davam-me também murros e bofetadas, chegaram a atirar-me uma mesa para cima; quando estava por terra, metiam-me a matraca na boca e espezinhavam-me cara. Estranhamente, não tive os desmaios da véspera e só pararam o espancamento quando eu, estendido no chão, gritei que me sentia muito mal. Tinha o olho esquerdo totalmente enevoado por causa duma pancada que me tinhaa apanhado o sobrolho e a pálpebra. Continuavam a dirigir-me os piores insultos e ameaças, incluindo a ameaça de me matarem. Deram-me uma almofada para encostar a cabeça sobre uma mesaa e ainda tentei deitar-me no chão para descansar mas não consegui. Trouxeram-me um copo com um líquido verde, dizendo que era Narsan (?) e que fazia bem ao coração. Talvez uma hora depois de acabado o espancamento, tornaram a mandar-me para a cela e como eu mal podia andar um agente arrastou-me pelo corredor fora. Mais tarde, já no reduto norte, veio de novo a enfermeira, que me tornou a dar massagens; tinha menos febre do que na véspera (37,1).
3.° DIA - Arrastando-em muito a custo, vou ao médico da parte da manhã. Era, um médico diferente, que me atendeu correctamente.
Ao princípio da tarde a D.G.S. chama-me novamente para o reduto sul, mas o guarda prisional, ao ver a dificuldade que eu tinha em mexer-me, disse ao agente que eu não poderia ir. Este respondeu que então ficava para depois. Neste terceiro dia de prisão continuei a alimentar-me apenas de sopa, além de um pouco de leite de manhã. Tinha o corpo cheio de hematomas e muitíssimo dorido.
Passada a hora de jantar, tomei um calmante e já estava preparado para dormir quando me vêm buscar para a sala de interrogatório. Desloquei-me apoiado às paredes e era obrigado a frequentes paragens. Comecei então a tortura do sono, numa altura em que não tinha posição possível para o corpo e em que sentia dores intensas, sobretudo nos braços, nas pernas e na região lombar. Passado pouco tempo o corpo começou a inchar da cintura para baixo - apesar de estar quase sem comer, tinha os intestinos muito dilatados e um enorme inchaço na perna direita até ao joelho (que mal me cabia nas calças). Com o andar dos dias, esse inchaço foi desaparecendo e dir-se-ia que passou para os pés apesar de nunca ter feito a tortura de estátua, ao ponto de não aguentar os sapatos e passar a andar descalço.
4.° DIA - Na noite do dia 30 tornei a ser espancado por um só agente, que me bateu com a matraca de aço em espiral, mas este terceiro espancamento foi quase insignificante em comparação com os dois primeiros.
114 HORAS CONSECUTIVAS - Estive seis dias seguidos na mesma sala de interrogatório, sem nunca permitirem que me lavasse. A tortura do sono, porém, durou quatro dias e meio, num total de 114 horas consecutivas - todavia deixaram-me dormir metade da noite do quarto para o quinto dia e toda a noite do quinto para o sexto dia, num pequeno quarto anexo à sala de interrogatório. Embora nunca tivesse alucinações mas apenas algumas perturbações visuais, experimentei com grande evidência as consequências psicológicas desta forma de tortura: o meu estado era de imensa prostração, acompanhada de um progressivo amolecimento da vontade e de um aniquilamento da personalidade. Periodicamente sentia na testa, entre os olhos e sobre o nariz, um enorme peso, como se todo o sono ali se concentrasse; passados instantes atravessava um período em que o corpo se tornava flácido e a voz ficava entaramelada e depois vinha uma espécie de sensação de alívio - era como se tivesse descido um degrau da consciência e o organismo se instalasse numa nova plataforma inferior. Durante a tortura do sono, os agentes escolhiam habilmente o momento psicológico para interrogarem. Cheguei a estar noites inteiras sob interrogatório. Tão grande era a prostração que nem sequer tinha nervoso - só no final de uma noite estive agitado e com taquicárdia, pedi para chamarem um médico e responderam-me que dali só se saía de maca para o hospital.
78 DIAS DE ISOLAMENTO - Além destes seis dias, voltei à sala de interrogatório mais dez vezes, numa média de seis horas de cada vez. Estive 78 dias em regime de isolamento (sem recreios). Só escrevi a primeira carta ao fim do oitavo dia e tive a primeira visita da família após três semanas de prisão.
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[Extraído de "PIDE: a história da repressão, Jornal do Fundão Editora]

domingo, abril 23, 2006

Prostitutas e Proxenetas

Desde 2002 que a prostituição e o proxenetismo são legais na Alemanha. Para os que consideram que a legalização destas actividades seriam positivas, peço-vos que considerem dois exemplos recentes que ilustram ao que pode levar o admitir-se que o corpo sexual é também uma mercadoria.
  • Em resultado da sua legalidade, os bordeis passaram a ter acesso às bases de dados oficiais de desempregados. Uma jovem desempregada, profissional de tecnologias de informação, que já havia trabalhado servindo mesas e havia declarado disposição para trabalhar num bar à noite, recebeu em janeiro uma carta do centro de emprego informando-a que um empregador estava interessado no seu perfile. Ao telefonar ao empregador deu-se conta que se tratava de um bordel, em Berlin. O emprego, providênciar "serviços sexuais". Por ter rejeitado a oferta de emprego, ter rejeitado prostituir-se, a jovem de 25 anos viu o seu subsídio de desemprego penalizado. A lei não destingue esse de outros empregos. Um centro de emprego que recusa pensalizar pessoas que recusam empregos pode enfrentar acção legal do potencial empregador. Os centros são também obrigados a anunciar empregos na indústria do sexo.
  • Em antecipação do Campeonato do Mundo de Futebol de 2006, duranta o qual a Alemanha espera receber cerca de 36 milhões de espectadores, na sua maioria homens, indústria do sexo nacional decidiu " importar da Europa Central e da Europa de Leste qualquer coisa como 40 mil mulheres para, nesse intenso mês de futebol disputado em 12 cidades alemãs, servirem sexualmente os estimados milhões de clientes. Como estamos na Alemanha, onde pulsa uma lendária capacidade de organização, os promotores do negócio já pensaram ao pormenor nos equipamentos necessários, pelo que decidiram construir um mega-bordel de 3000 m2, estrutura que pode acolher 650 «clientes» em simultâneo e será instalada ao lado do principal estádio do Campeonato do Mundo, em Berlim. A par disso, em zonas fechadas - e sempre do tamanho de um estádio de futebol, para não se sair do espírito da coisa - foram construídas «cabanas de sexo» semelhantes a casas de banho que serão designadas por «cabines de serviços, enquanto a clientela mais descapitalizada, forreta ou apressada (tanto faz) também não foi esquecida, havendo, para esses, zonas com estacionamentos privativos e capas para cobrir as viaturas durante os «folguedos. (...) Ao que consta, a minúcia alemã terá mesmo chegado ao extremo de procurar resguardar o país, de uma onda de emigração indesejada, dado o flagelo do desemprego, falando-se de tentativas para que a própria UEFA aprove um «visto especial- só para os dias do Mundial de Futebol e para as mulheres que, não vivendo na União Europeia, sejam «forçadas» (sic) a ir prostituir-se durante a competição, garantindo-se assim antecipadamente que não ficarão pela Alemanha a procurar trabalho ou a viver por lá... " [Henrique Custódio, Avante 20-4-2006] O bordel Artemis, em "honra" da deusa grega da fertilidade, um prédio de 3 andares perto do Estádio principal de Berlim, irá arender quartos a prostitutos por 70 euros por 3 meses, e podem ainda beneficiar de ginásio de refeições gratuitas.

segunda-feira, abril 17, 2006

Palestina: Como educar um bombista suicida

No início da tarde de hoje, em frente de uma estação de autocarros em Tel Aviv, decorreu um dos mais mortíferos ataques suicidas em território Israelita em dois anos. Estimam-se 9 falecidos e cerca de 50 feridos. O bombista suicida, Sami Salim Mohammed Hammed, membro da Jihad Islamica, tinha apenas 17 anos. Sami Salim já havia completado o liceu, e ontem saiu de casa e em vez de dirigir-se ao emprego, como pensavam os familiares, tornou-se num dos mais jovens bombistas suicidas do conflito israelo-palestino. Um primo seu, Nazeer Hamad, carried out an earlier suicide bombing in Afula. Confrontado com a sua idade, um Ocidental não pode deixar de se perguntar: como pode um jovem no começo da sua fase adulta, entregar assim a sua vida? Terá sido indocrinação fundamentalista? Terá sido a perda de esperança no futuro? Uma resposta simples será ilusória. Mas creio que ajuda sublinhar que o jovem Sami Salim era de Jenin. Em 2002, teria apenas 13 anos.
Faz precisamente este mês 4 anos que a Força de Defesa Israelita (IDF) entrou no campo de refugiados junto a Jenin, na faixa de Gaza. Nesse ano, em resposta a uma serie de ataques bombistas em território Israelita, a Força de Defesa Israelita (IDF) lançou a Operação Escudo Defensivo, a maior operação nos territórios ocupados desde a Guerra dos 6 Dias (1967). Durante 12 dias, a cidade foi cercada, entrada a jornalistas interdita, centenas de edifícios detruidos, um quarto da população do campo ficou sem casa, e um número indeterminado de Palestinianos foi morto. Os relatórios da Human Rights Watch e Amnesty Internacional apenas puderam confirmar os números da IDF: 52 Palestinos e 23 soldados Israelitas mortos, provavelmente uma subestimação das consequências da violência Israelita. Uma investigação imparcial das NU nunca foi conduzida, devido a imposições Israelitas.
O número elevado de soldados Israelitas mortos também reflete uma resistência armada e bem organizada presente em Jenin. O campo foi visado por supostamente conter várias células terroristas, incluindo uma esquadra suicida da Fatah, a Nazir Hamad, em nome to suicida que em Octubro de 2001 disparou contra um estação de autocarros em Afula, no norte de Israel, mantando 3 e ferindo 11 Israelis até ser morto pela polícia. A família de Nazir Hamad foi uma das que terá recebido cheques de Saddam Hussein, em apoio das famílias de bombistas suicidas (ver). Nazir Hamad era primo de Sami Salim.
O campo ficou sob controlo directo da IDF, com patrulhas, pontos de controlo e gatilhos soltos (e.g., um funcionário das NU foi morto por um soldado Israelita em Novembro de 2002). Seus residentes foram sujeitos repetidamente a recolher obrigatório, metade dos terrenos agrícolos confiscados. Decorreram várias "mortes dirigidas", o euphemismo usado para cobrir o assasinato sem julgamento de alegados terroristas. A população de Jenin perdurou, sob condições agravadas de pobreza, com condições de ensino e saúde limitados. Sem dúvida uma vida que deixaria uma impressão marcante num joven rapaz.
Lamento naturalmente o falecimento dos Israelis inocentes e temo pelas repressálias que possam seguir-se.

sábado, abril 15, 2006

Escalada contra Irão

No consciente do Ocidente, a segunda guerra mundial é sinónimo da guerra justa, necessária, contra o mal absoluto. Não é pois inocentemente que, na preparação de acções militares, se conote um inimigo com Hitler, e seus propósitos como limpeza étnica. É uma mensagem rapidamente assimilável, que torna uma acção militar justa, sem necessidade de grandes justificações adicionais. Estes podem ser providênciados, mas são de certo modo acessórios se a equiparação com o mal foi aprofundada. Assim o demonstra o historial de argumentação em torno do derrube de Saddam Hussein. Depois de demonstrado e admitido que o Iraque não possuia armas de destruição massiva (a principal justificação para uma acção militar urgente), bastou reformular a justificação com base na maldade de Saddam (conotado com Hitler).

Tome-se como outro exemplo a campanha negativa promovida contra Slobodan Milosevic, Presidente da Jugoslavia, que apesar de ser quem tentou manter a união de um estado federal, multi-étnico, foi pintado como um novo Hitler, nacionalista e expansionista, com planos de limpeza étnica, uma caracterização mais válida para os seus rivais separatistas, apoiados pelo ocidente. (O livro de Diana Johnstone, Cruzada de Cegos - Jugoslávia, a Primeira Guerra da Globalização, da Editoral Caminho, providencia um excelente e detalhado relato da desagregação da Jugoslávia tal como das distorções cometidas pelos media.)

Do mesmo modo que foi necessário questionar o argumento das armas de destruição massiva, dando importância a motivos mais imperiais, é também necessário questionar as conotações com Hitler e o Holocausto. Tratando-se de uma simplificação, que apela a reacções emocionais, não promove a abertura e diálogo conducente à resolução de eventuais conflitos. O uso destas conotações não é inocente e as suas consequências sérias.

Daí que tenho tentado ter cautela quando oiço e leio as caracterizações do Presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, como um anti-semita, negacionista do Holocausto, que ameaça destruir Israel. O facto desta caracterização coincidir com uma escalada de pressão contra o Irão devido ao seu programa de enriquecimento de urânio, não será coincidente. É certo que esta caracterização é facilitada por um historial de afirmações árabes sobre Israel. Certo também que Ahmadinejad parece não evitar acções e discursos, só porque poderão ser mal interpretados pelo Ocidente.

Mas será o seu discurso verdadeiramente tão extremo como vem pintado nos media ocidentais? A última geração de afirmações controversas foram proferidas no fim de semana de Páscoa, durante a conferência em "Defesa de Al-Quds (Jerusalém) e Apoio aos Direitos de Palestinos", na qual participam representantes de 60 países. Ora dificilmente se pode prestar solidariedade com os Palestinianos sem tecer sérias críticas a Israel. Porém supostamente Ahmadinejad terá aludido à eliminação de Israel numa tempestade, o que naturalmente tem um sentido claro quando contraposto às notícias sobre energia nuclear.

Mas vejam-se as declaração de Ahmadinejad. "O regime Zionista é uma arvore em decadência que cairá com uma tempestade."

(Não leio Árabe. A citação é uma tradução minha do inglês para português. Das versões em inglês sugiro a tradução providenciada pela Agência de Notícias da Républica Islâmica, pois só para esta frase notei diferenças face à versão em inglês da Associated Press. "The Zionist regime is a decaying and crumbling tree that will fall with a storm." da IRNA vs “The Zionist regime is a rotten, dried tree that will be eliminated by one storm.” da AP.)

Só a leitura da frase completa revela que a implicação é uma implosão de Israel, e não a sua destruição por forças externas. O resto do discurso torna isso ainda mais claro.
"Só um governo escolhido pelo povo pode resolver o problema da Palestina e o povo da região. [Por 'Palestina' Ahmadinejad refere-se à região, não à Autoridade Palestiniana.] O direito de governar pertece a todos os povos da Palestina e eles devem decidir o modelo de governação da sua escola e eleger os seus próprios oficiais. Com este fim, tem de haver uma oportunidade para todos os genuinamente Palestinos, sejam eles Muçulmanos, Cristãos, ou Judeus, residentes na Palestina ou em Diáspora, participarem num referendum para determinar o seu sistema político e eleger os seus líderes. Por outras palavras, a única forma racional que é compatível com as normas internacionals é a realização de um referendo para todos os genuinamente Palestinianos. Os apoiantes do regime Zionista preferem manter o silência face a esta proposta razoável. Mas eu digo-lhe que apesar do que desejem, o regime Zionista está a cair aos pedaços. A árvore jovem da resistência na Palestina floresce e flore de fé e desejo de liberdade floresce. O regime Zionista é uma arvore em decadência que cairá com uma tempestade. Hoje até os habitantes da Palestina ocupada, especialmente os colonos Afrianos e Asiáticos vivem em dor, pobreza descontentamento. ..."
O texto completo permite vislumbrar um discurso que distingue entre Judeus e Zionistas, que rejeita Israel, enquanto estado judeu, sem igualdade de direitos e oportunidades para todos os povos da região, prognosticando que o caminho de Oslo (2 povos 2 países) não é uma solução sustentável e oferecendo uma proposta referendária com tons longe do beligerante.

Este discurso foi também criticado por Ahmadinejad ter novamente posto em causa o Holocausto. Mas leiam-se as declarações mais completas:
"Com respeito por todas as nações e seguidores das religiões divinas, nós perguntamos se essa atrocidade [o Holocausto judeu] é verdade, então porque devem ser as pessoas da região a pagar por ela com a ocupação de terras Palestinianas e a supressão do povo Palestino, desalojando milhões de Palestinianos, destruindo as suas cidads, zonas rurais e terras agrícolas. (...) Se há dúvidas quanto ao Holocausto [judeu], não existe dúvida do disatre e Holocausto Palestino. Persiste há mais de 60 anos."
Ora é certo que Ahmadinejad admite dúvidas quanto à realidade ou dimensão do Holocausto judeu (algo que pessoalmente acho irrazoável), mas admitindo que terá ocorrido questiona se é justificação para o que sucedeu de seguida.

Publico estes transcritos não como uma apologia de Ahmadinejad, mas para contrariar as simplificações feitas ao seu discurso.

sexta-feira, abril 07, 2006

Nova Cara do Terrorismo

Estas duas senhoras, Helen John e Sylvia Boyes, de 68 e 62 anos de idade respectivamente, de Yorkshire, foram as primeiras pessoas a serem presas sob a nova legislação anti-terror do Governo Britânico, e enfrentam até um ano de prisão. Foram presas no sábado passado, numa manifestação destinada precisamente a chamar atenção para esta nova legislação que limita a liberdade de expressão e manifestação. Em particular, foram detidas ao entraram na base militar Estado-unidense situada em Menwith Hill em North Yorkshire. Iam equipadas com martel, alicate, cartazes, e um comunicado denunciando a política militar dos EUA e a sua solidariedade com a população de Diego Garcia e das ilhas Chagos, expulsos das suas casas para dar lugar a bases militares dos EUA. As senhoras são já manifestantes veteranas com experiência de serem presas mais de uma dezena de vezes. Participaram nos "Acampamentos de Paz de Mulheres" junto à base em Greenham Common, protestando o uso de misseís de cruzeiro que começaram em 1981 e duraram 19 anos (!). A Sra. Boyes foi presa, e depois ilibada, em 1999 por ter danificado um submarino nuclear Britânico.
Manifestantes que penetrem qualquer das dez bases militares na Grã-Bretanha serão tratados como potencial terroristas e podem ser presos por um ano ou multados com £5000. A outras bases abrangidas pela lei inclui Fylingdales, a estação em North York Moors, as bases aéreas dos EUA em Mildenhall e Lakenheath em East Anglia, as centrais nucleares em Berkshire (e seu instituto de pesquisa em Burghfield) e na base naval Devonport em Plymouth. Novas restrições irão limitar também os protestos junto aos edifícios do governo e palácios reais, i.e., os locais onde tradicionalmente se realizam protestos. Disse um porta-voz do ministro da defesa: «Actividade persistente de manifestantes coloca-os em risco de serem confundidos com terroristas. E também dispersa desnecessariamente os recursos policiais.»
Mas as sehoras não estão sós. Em Outubro do ano passado, um manifestante por condenado por ter lido em voz alta, em Whitehall, sede do governo Britânico, os nomes de soldados Britânicos mortos no Iraque. John Catt, de 81 anos, foi detido e interrogado sob o Acto de Terrorismo de 2000 ao dirigir-se a uma manifestação anti-guerra vestindo uma t-shirt acusando Blair e Bush de Crimes de Guerra. Durante o discurso de Jack Straw, Ministro dos Negócios Estrangeiros Britânico, na última conferência do Partido Trabalhista, Walter Wolfgang, um veterano activista pela paz, de 82 anos, não aguentou enquanto Straw tentava justificar a presença Britânica no Iraque, e gritou "Isso é uma mentira". Foi arrastado para fora do local da conferência. Quando tentou re-entrar foi detido também segundo o Acto de Terrorismo. (Blair pediu desculpa, depois de publicidade negativa.)