terça-feira, setembro 02, 2014

Tentativas de ilegalização do Partido Comunista da Ucrânia

Uma das ilustrações agudas do carácter anti-democrático do governo Ucraniano após o golpe de estado de Fevereiro de 2014, foi este ter rapidamente procedido a acções com vista à ilegalização do Partido Comunista Ucraniano (PCU). Esta utilização dos mecanismos do Estado então apropriado, foram acompanhadas por ataques violentos e constantes a membros do PCU por parte das milícias fascistas.
O processo judicial contra o PCU, de ordem administrativa e de momento ainda não criminal, foi instaurado pelo Ministério da Justiça e o Serviço de Registo Estatal da Ucrânia, a que se juntaram depois outras forças, incluindo o Svoboda (de orientação nazifascista, cujo nome significa "liberdade"). Dois juristas Portugueses, membros da Associação Portuguesa de Juristas Democratas (APJD), estiveram em Agosto em Kiev, em representação da Associação Internacional de Juristas Democratas (IADL) para assistir ao processo, e puderam prestar alguns esclarecimentos.

O processo foi na altura suspenso para permitir uma avaliação dos documentos apresentados. A próxima sessão será a 4 de Setembro. Mas é por de mais evidente a natureza da acusação e das pressões exercidas sobre o sistema judicial.
O actual PCU tem as suas raízes do Partido Comunista da Ucrânia, parte do Partido Comunista da União Soviética, ilegalizado em 1991. Em 1993 foi reconstituído, após a Verkhovna Rada (a assembleia legislativa) ter de novo legalizado o estabelecimento de partidos comunistas. Em 1998, nas eleições para a Rada, obteve 19.5% dos votos, elegendo 121 deputados, e no ano seguinte o Primeiro Secretário do PCU, Petro Symonenko, obteve 38.8% dos votos na segunda volta das eleições presidenciais (perdendo para Leonid Kuchma). Nas mais recentes eleições para a Rada, elegeram 32 deputados (de um total de 450). Para que seja claro: o PCU é um partido legal, com deputados na assembleia nacional eleitos democraticamente.
Entre os elementos usados pela a acusação estão declarações proferidas por dirigentes do PCU, incluindo o Primeiro-Secretário, e incluindo declarações proferidas no Parlamento, portanto no exercício de cargo democráticos. Entre as declarações da acusação encontra-se uma proposta de Simonenko no Parlamento para transformar a Ucrânia numa Federação, e que o Ministério da Justiça interpreta na acusação como um apelo ao “separatismo”. Outra: o apelo do PCU, por razões de segurança, para criar milícias populares que pudessem ajudar a polícia a assegurar a ordem e a tranquilidade públicas, é interpretado como um incentivo à sedição armada.
Para corroborar estas interpretações, a acusação recorreu no tribunal a um instrumento permitido na Ucrânia, chamado «perícia linguística». À semelhança dos peritos forenses ou médicos, que prestam testemunho sobre a sua especialidade, os peritos linguísticos providenciam opiniões especializadas sobre a interpretação de declarações. Embora estas opiniões fossem admitidas como provas, o tribunal rejeitou o pedido do réu, o PCU, de incluir como prova os registos vídeo e áudio das sessões do Parlamento onde as declarações foram prestadas, para o que tribunal as pudesse avaliar e interpretar directamente. Segundo os membros da APJD: "esta é uma concepção inequivocamente fascistóide, pois significa que as pessoas já não são livres de se expressar como entendem na sua língua materna. Tudo o que dizem está sujeito a ser interpretado de forma enviesada por terceiros."
Este processo político de tentativa de ilegalização do PCU, de judicial tem apenas a encenação. E mesmo esta com elementos cénicos delirantes. Na sala de tribunal – nas instalações de uma antiga creche – estavam 8 (!) câmaras de televisão, algumas permanentemente apontadas para a juíza. Eu escrevo até por extenso para que não haja margem para dúvida: oito câmaras; e ainda outros membros da Comunicação Social (rádio, imprensa e net).
No exterior do tribunal, junto à entrada e de forma audível no seu interior, decorria uma manifestação "onde se empunhavam bandeiras da Ucrânia e bandeiras nacionalistas, se gritavam palavras de ordem como «morte aos comunistas» e «comunistas para a forca» e se simulava o «enterro» do Partido Comunista da Ucrânia. (...) Foram atirados tomates e ovos contra a porta e paredes do tribunal , quer antes do início da audiência, quer durante a tentativa de um dos advogados de defesa do PCU falar à comunicação social." (Relatório do APJD). A juíza, nomeada para o caso pelo Ministério da Justiça, um dos autores do processo, que nada fez para estabelecer serenidade nas proximidades do, tinha de cada lado um elemento armado das forças policiais (para a proteger? a intimidar?).
Termino com um apelo dos membros da APJD, que deverá ser generalizados a todos os democratas: Temos de aumentar o nosso grito de alerta por parte dos advogados (de Portugal, de países da União Europeia e de todo o mundo) e se conseguirmos erguer um movimento de opinião pública internacional em defesa dos valores da liberdade e democracia podemos barrar-lhes o caminho e, neste caso concreto, impedir a ilegalização do PCU. Hoje são os comunistas, amanhã serão outros...

Nenhum comentário: